National Geographic Portugal - Edição 220 (2019-07)

(Antfer) #1

76 NATIONALGEOGRAPHIC


Ninguém estudara estes habitats subaquáticos
e parte da nossa missão era actualizar os censos
de Paul. Eu assistira, em primeira mão, às mu-
danças dramáticas noutras latitudes causadas
pela sobrepesca e pelas alterações climáticas, das
quais se destacam o lixiviamento e morte dos re-
cifes de coral e a diminuição do gelo marinho do
Árctico durante o Verão. O que iríamos encontrar
sob a superfície, 45 anos após a visita de Paul?


AO DESEMBARCARMOS NA PRAIA, eu e Claudio per-
cebemos de imediato que caminhávamos sobre
uma sepultura colectiva. Antigas ossadas de leões-
-marinhos eram esmagadas a cada passo – um
legado deixado por caçadores da primeira metade
do século XX. Leões-marinhos e lobos-marinhos-
-sul-americanos tinham sido abatidos indiscrimi-
nadamente, sobretudo para obtenção de peles e
gordura, destinada ao fabrico de óleo.
Na época de Paul Dayton, estas espécies já es-
tavam protegidas pela legislação argentina, mas
ainda não recuperaram na actualidade. Segundo
os investigadores, o número de leões-marinhos
corresponde a um quinto do que existia há mais
de setenta anos, possivelmente devido à diminui-
ção dramática do número de fêmeas em idade re-
produtora e da vasta pegada da pesca industrial.
“No passado, os animais eram abatidos directa-
mente”, contou Claudio. “Agora também estamos
a privá-los de alimento.” Três dias antes da nossa
visita à baía Thetis, vimos um superarrastão de
110 metros no porto de Ushuaia. Os arrastões e os
palangreiros pescam junto do limite da platafor-
ma continental da Terra do Fogo, no ponto onde
começa o oceano profundo.
Mais perto da costa, as condições climáticas são
tão brutais durante a maior parte do ano que pou-
cos se dão ao trabalho de mergulhar aqui. No en-
tanto, uma vez que o tempo estava relativamente
calmo quando chegámos, conseguimos mergu-
lhar em redor da ilha durante duas semanas.
As águas frias e ricas em nutrientes alimentam
as florestas de laminárias gigantes onde se aloja
um dos mais resplandecentes ecossistemas ma-
rinhos do mundo. Os caules destes organismos
chegam a medir 45 metros de altura, desde as
profundezas à superfície. As laminárias gigantes
continuam a crescer depois de atingirem a super-
fície, criando um dossel vegetal que filtra a luz so-
lar como os vitrais de uma catedral.
Paul foi muito generoso: digitalizou e copiou os
seus cadernos de campo escritos à mão: as pági-
nas de 1973 estavam repletas de observações de


história natural. Trouxemo-los connosco como se
fossem tesouros. As pradarias marinhas parecem
todas iguais quando vistas a partir da superfície,
mas tudo muda debaixo de água.
Paul descobrira que cada uma das pequenas
baías tinha características peculiares. Numa baía,
as laminárias estavam cobertas apenas por uma
ou duas espécies de amêijoas. Noutra, por peque-
nos corais macios. Numa terceira, por minúscu-
los pepinos-do-mar, dos quais irrompiam plumas
com ramificações finas para capturar partículas
de alimento na nutritiva água do mar.
Para nosso espanto, as mesmas espécies ainda
viviam em cada baía. As condições oceanográfi-
cas deverão ter-se mantido semelhantes ao longo
do último meio século. As alterações climáticas
ainda não deixaram uma marca permanente
aqui. Isto pareceu-me uma dádiva maravilhosa e
gerou uma sensação de alegria incontida.
Ficámos igualmente espantados pela abun-
dância de vida. Em quase todos os centímetros
quadrados do leito marinho, vivia um organis-
mo vivo: esponjas brancas e amarelas, algas in-
crustantes cor-de-rosa, tunicados. As laminárias
gigantes curvam-se no fundo do mar devido ao
peso dos mexilhões que crescem sobre elas. Es-
trelas-do-mar azuis banqueteavam-se com os
mexilhões, caracóis e bernardos-eremitas!

CERTO DIA, INTERROMPEMOS OS MERGULHOS e
aventurámo-nos até à bacia situada para lá do limite
da plataforma continental. A bacia de Yaganes é o
centro de um enorme ecossistema, interligado, que
se estende desde a extremidade meridional do Chile
e da Argentina até à Antárctida, criando uma con-
vergência entre as águas dos oceanos Pacífico,
Atlântico e Antárctico. O nosso engenheiro, Brad
Henning, trouxera várias National Geographic
Dropcams – esferas de vidro (borossilicato) que
funcionam como caixas estanques e protegem
câmaras e luzes de qualidade cinematográfica. As
Dropcams têm um sistema de pesos que as levam
a descer até ao fundo do mar e trazem as câmaras
de volta horas mais tarde. Tínhamos esperança de
que captassem imagens inéditas do leito marinho.
As Dropcams não desiludiram. Quando Brad
nos mostrou uma selecção dos vídeos filma-
dos pelas câmaras, ficámos de boca aberta. Ba-

Um petrel sobrevoa
uma colónia de pin-
guins-saltadores-da-
-rocha na ilha De los

Estados. Mais de 10%
da população mundial
desta espécie de
pinguim vive no local.
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