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A narrativa mostra como o mun-
do reage ao saber da presença de
alienígenas, o que significa que não
estamos sozinhos. Dentre os vários
profissionais recrutados para tentar
uma comunicação está uma linguista
chamada Louise Banks. Nessa expe-
riência, ela concebe que o estudo da
estrutura de uma língua confirma a
hipótese do relativismo linguístico
de que as diferentes línguas são re-
sultados de sua cultura e concepção
de mundo em universos mentais dis-
tintos. Talvez, por isso, nosso mundo
criou o mito da Torre de Babel.
Os alienígenas foram chamados
de “heptapodes” por terem sete pés.
São diferentes não só na anatomia
como em tudo que conhecemos. A
noção de tempo é circular, do mesmo
modo como ocorre em nosso incons-
ciente. Nesse contato com eles, a dra.
Banks aprendeu a usar essa noção de
tempo e espaço como eles. Ela então
enxerga que vai ter uma filha e sabe-
rá sobre a história da sua vida, antes
mesmo de concordar em concebê-la.
Aqui estamos diante de um im-
passe. Ela já considerava que iria ter
uma filha que morreria jovem e que
seu marido a abandonaria. Se soubés-
semos de um futuro nada animador,
como conviver com isso e fazer uma
escolha que vai determinar o resto da
sua vida? O livre-arbítrio seria exer-
cido sem afetar o resultado dos even-
tos. Ao longo da história, as memó-
rias de sua filha acompanham a dra.
Banks, e esta experimenta sensações
as quais deseja muito vivê-las. Talvez
seja esse o motivo de sua escolha.
Os “heptapodes” vivenciavam
História da sua Vida
Autor: Ted Chiang
Editora: Intrínseca
Ano: 2016
Páginas: 368
Gênero: ficção
todos os acontecimentos ao mesmo
tempo e percebiam um propósito
essencial em todos eles. Não viviam
os acontecimentos, como nós per-
cebemos, em uma relação de causa
e efeito. Nossa consciência tem um
modo sequencial, enquanto os “hep-
tapodes” desenvolveram um modo
simultâneo.
A investigação científica tem se
deslocado para além da compreensão
humana. Na Psicologia Analítica, da-
mos importância aos sonhos e a sua
funcionalidade teleológica. O ex-pre-
sidente americano Abraham Lincoln
sonhou com seu próprio assassina-
to uma semana antes de morrer. No
dia 25 de maio de 1941, o presidente
Roosevelt sonhou que os japoneses
estavam bombardeando a cidade de
Nova York enquanto ele estava em
sua casa. Em 7 de dezembro de 1941,
os japoneses atacaram uma base do
exército americano em Pearl Har-
bor, no Havaí. Essas são algumas das
muitas histórias de premonições e
sonhos prevendo o futuro. O proble-
ma dos cientistas é como testar his-
tórias desse tipo em laboratório para
Carlos São Paulo é médico e psicoterapeuta junguiano.
É diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia.
[email protected] / http://www.ijba.com.br
quantificar e controlar premonições
como a ciência moderna exige.
O inconsciente pode fazer com
que cada momento de nossa vida in-
fluencie todos os outros, para frente
e para trás. Assim, a intenção no fu-
turo poderá modificar as probabili-
dades de uma enfermidade. Um sim-
ples diagnóstico pode influenciar o
curso da doença. Dessa forma, a psi-
coterapia é um método que nos faz
voltar no tempo para alterar nosso
próprio futuro.
Jung chamou a atenção para um
fenômeno que tem uma conexão
misteriosa entre a psique pessoal
e o mundo material. Tais fenôme-
nos têm um significado importan-
te para a pessoa neles envolvida. A
esse acontecimento ele chamou de
sincronicidade. É quando um sonho,
ideia ou premonição coincidem com
um evento do mundo exterior. Uma
ideia neurótica pode fazer o sujeito
se confundir com premonição, como
também o entendimento do sonho
influenciado por essa neurose.
O encontro com o que achamos
estranho, o diferente de nós, pode ser
de total preconceito pela dificuldade
em conhecer esse outro. O amor, no
entanto, une os estranhos enquanto o
poder e o medo desunem. Como co-
nhecer o inconsciente do outro, onde
o tempo funciona como nos “hepta-
podes”, em que todas as leis são dife-
rentes daquela que nossa consciência
adota? Essa é uma relação que temos
com nós mesmos, até que um analista
faça o papel da dra. Banks, ou seja,
entenda a linguagem alienígena do
nosso inconsciente. A vida é uma es-
pécie de espetáculo cujo roteiro não
controlamos. Vivemos envolvidos
com gozos que se desmancham com
o sofrimento e vice-versa.
A INVESTIGAÇÃO
CIENTÍFICA TEM
SE DESLOCADO
PARA ALÉM DA
COMPREENSÃO
HUMANA. NA
PSICOLOGIA
ANALÍTICA, DAMOS
IMPORTÂNCIA AOS
SONHOS E A SUA
FUNCIONALIDADE
TELEOLÓGICA