Ana Maria - Edição 1186 (2019-07-11)

(Antfer) #1
que vai na contramão dessa ideia. Anos atrás, localizou
mais de 20 receptores de dor justamente na região da
boca que costuma ser perfurada pelo anzol. Isso, por si
só, prova apenas que existe a possibilidade de o animal
sentir uma dor fraca no local. Mas Braithwaite foi além:
estimulou as zonas identificadas com picadas de agulha,
desencadeando reações na parte posterior do cérebro dos
animais aquáticos, mesmo local onde o ser humano pro-
cessa os estímulos de dor. Com isso, comprovou que os
ferimentos causam sofrimento aos peixes.
Mas e quanto aos sentimentos? Vejamos o exemplo do
medo. Nos seres humanos, ele é produzido na amígdala.
Embora a suspeita fosse antiga, demoramos muito para
comprovar esse fato. Foi somente em janeiro de 2011
que cientistas da Universidade de
Iowa publicaram uma pesquisa so-
bre uma mulher identificada como
S.M., que tinha medo de aranhas
e cobras, até que as células de sua
amígdala morreram em decorrência
de uma doença rara. Claro que isso
foi trágico para S.M., mas, para os
cientistas, representou uma oportu-
nidade única de investigar os efeitos
da perda da amígdala. Assim, eles
levaram S.M. a uma loja de animais
e a colocaram frente a frente com
as espécies que tanto temia. Ao con-
trário do que acontecia antes, a mu-
lher conseguiu até tocar os animais
e, segundo relatou, não sentiu medo
algum, apenas curiosidade. Com isso,
localizamos exatamente em que lugar
do corpo nasce o medo na espécie
humana. Mas e quanto aos peixes?
Os pesquisadores concluíram
que peixes e vertebrados terres-
tres herdaram as mesmas estrutu-
ras cerebrais de seus antepassados.
Portanto, há muito tempo os ver-
tebrados possuem o
equipamento para
os sentimentos.

Antes de mergulharmos na vida
secreta dos animais, devemos nos per-
guntar se tudo isso não é meio absur-
do. Afinal, pelo menos de acordo com
a ciência, hoje em dia, precisamos de certas estruturas
cerebrais para processar os sentimentos. O sistema lím-
bico permite que o ser humano vivencie toda a gama de
alegrias, tristezas, medos e desejos, e, com o auxílio de
outras áreas do cérebro, desencadeia as reações correspon-
dentes do corpo. Essas estruturas cerebrais são bastante
antigas em termos evolutivos, por isso muitos mamífe-
ros as possuem. Cabras, cães, cavalos, vacas, porcos – a
lista poderia se estender longamente. Segundo pesqui-
sas recentes, porém, não são apenas mamíferos que es-
tão nessa lista, mas também pássa-
ros e até peixes, que no ranking dos
biólogos se encontram num estágio
bem inferior da evolução.
No caso dos animais aquáticos,
foram pesquisas sobre a dor que
nos conduziram ao tema dos sen-
timentos. O ponto de partida foi
uma dúvida: será que os peixes
sentem dor quando são içados pe-
los anzóis? O que hoje você talvez
considere óbvio foi, durante muito
tempo, visto como algo imprová-
vel. Quando você vê fotos de pes-
queiros com redes cheias de ani-
mais vivos sufocando ou vídeos
de peixes estrebuchando presos a
um anzol, é inevitável perguntar,
à luz da discussão atual sobre o
bem-estar dos animais: como a so-
ciedade pode tolerar algo assim?
Provavelmente isso acontece não
por maldade, mas por aceitarem a
suposição não comprovada de que
os peixes são criaturas que nadam
nos rios e mares sem sentir nada.
Victoria Braithwaite, docente da
Penn State University com doutora-
do em Oxford, fez uma descoberta


A Vida Secreta dos Animais,
de Peter Wohlleben
Editora: Sextante
Preço: R$ 34,90

“Quando você vê
fotos de pesqueiros
com redes cheias
de animais vivos
sufocando ou
vídeos de peixes
estrebuchando presos,
é inevitável perguntar:
como a sociedade
pode tolerar?”

As emoções e a


inteligência dos animais


Amor verdadeiro entre corvos? Existe. Esquilos sabem o nome
dos parentes próximos? Verdade. Na obra, o autor, estudioso e apaixonado
pela natureza, apresenta fatos fascinantes sobre os animais
Júlia Arbex

FOTO: DIVULGAÇÃO
anamaria.uol.com.br

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