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Uma mulher sentada ao lado, comendo uma esfiha de espinafre,
olha para ele desconfiada. Murilo olha a cena e, sem demonstrar o
mesmo, dirige-se a Cláudio)
MURILO AHMED: Deixaram aí um livro pra entregar para você.
Também em espanhol. Já leu o outro?
CLÁUDIO: Não é muito fácil, mas dá pra entender. Vou tirando
dúvidas com o professor. Hoje à tarde, vai ter aula extra. Depois,
devolvo.
MURILO AHMED: Melhor pra mim. Ia fechar mais cedo hoje. O
pessoal da rua está fechando mais cedo preocupado com essas
passeatas e bombas que estão jogando nas bancas. Ontem
mesmo empastelaram a gráfica onde Jorge trabalha.
CLÁUDIO: Não tenha medo, Murilo. O regime militar acabou. A
anistia e as eleições diretas não tardam. É o fim da ditadura, meu
chapa!
MURILO AHMED (Entrega o livro embrulhado com papel pardo a
Cláudio): Um estudante do cursinho deixou aí pra lhe entregar.
Pode levar. Está ocupando meu balcão. Faça bom proveito. (Limpa
as mãos no avental.)
CLÁUDIO (Pegando o livro): Sabe o nome dele?
MURILO AHMED: Não. Lembro apenas que era um rapaz moreno
de cabeça chata, de sua altura, mas meio paraíba. Estuda aí no
cursinho.
CLÁUDIO:Humm! Sei quem é.
(Senta-se, tomando um chope, abre o livro, lentamente, lendo para si)
Manifesto del patido comunista, Karl Marx · Friedrich Engels. (In Off)
(Fecha rapidamente o embrulho e volta os olhos para o local
observando que Murilo o vigia, curioso. Sem nada perguntar, termina
o cafezinho, paga e sai do Bazar, colocando o pacote na bolsa a
tiracolo)
MURILO AHMED: Até mais tarde, camarada!
CLÁUDIO (Sai do bazar): Hasta siempre!