RDFQNF_VERSÃO DIGITAL_FINAL

(Oficina dos Filmes) #1

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com força, com caneta de tinta preta, no papel branco. Lágrimas
escorrem de seus olhos borrando sua maquiagem de lápis e rímel.

ANBIA ∙ V.O.

E então quero escrever, quero expressar no papel o que lateja
no meu peito. Quero falar do que me inquieta ao observar este
quadro. Quero falar de um real, quero falar de lixo, quero falar
de casa, quero falar de pessoas, quero falar de menininhas
raquíticas. Quero falar de pessoas que pagam um real para que
menininhas raquíticas, pobres, desnutridas de corpo, de alma
e carinho, carreguem o seu lixo. Quero falar de descarrego de
consciência essa coisa de consciência limpa, de dever cumprido
para o prazer de uns e morte de outros.

Anbia levanta da mesa às pressas e corre para o banheiro. Entra no
banheiro deixando a porta aberta. Debruça-se sobre o vaso sanitário
e vomita.

ANBIA ∙ V.O.

Pensando nisso, me questiono. Será que o doador do real garante
para si uma boa noite de sono com o seu gesto?
E quanto à menininha? Até quando as casinhas das menininhas
vão se sustentar com a esmolinha?

Até quando a esmola vai ser oferecida? Até quando crianças vão
se sustentar com esmolinhas?

CENA 3 ∙ INTERNO. DIA. BANHEIRO


Anbia debruçada sobre o vaso sanitário vomitando. Levanta-se.
Cambaleante, chega até a pia do banheiro, olha-se no espelho.
Fica com o olhar estatelado diante de sua imagem refletida. Leva
as mãos ao rosto e termina de borrar a maquiagem com mãos
raivosas. Respira ofegante.

Lava o rosto com mãos trêmulas. Puxa uma toalha branca de banho
e seca o rosto e as mãos. Semblante carregado, cenhos franzidos,
expressão de raiva em sua face. Recostada na pia, tira as botas
atirando longe e com raiva. Faz o mesmo com o vestido deixando
transparecer o seu corpete de renda, que mal cobre seu corpo farto
de volume e vida.
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