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Sua companheira entra pela porta. Sem que ele perceba, ela
atravessa seu braço direito abraçando seu peito e, com a sua mão
esquerda, ela fecha, lentamente, a torneira. Então, beijando-o
suavemente, ela descansa sua cabeça sobre suas costas.
COMPANHEIRA: Bom dia, meu preto! Você saiu da cama tão
cedo que eu nem percebi que já era dia. Está pensando sobre a
festa, né?
MAURO: Bom dia, amor! Sim! Não paro de pensar nisso.
Sua companheira é uma filha de Yemọja*. Ela é uma mulher branca
de 38 anos que mantém, com ele, uma relação inter-racial de muito
respeito e cumplicidade. Ela traz consigo o olhar de cuidado e carinho
típico das filhas desta divindade.
COMPANHEIRA: E aí, tomou sua decisão?
MAURO:Ainda não. Depois que fiz o trabalho que o Bàbálórìṣà
passou, eu tenho me sentido um pouco estranho.
COMPANHEIRA:Como assim estranho? Já falei que você deveria
fazer os exames que a médica passou?
MAURO:Não é isso, Môzão. Já te disse que não sinto mais nada.
Voltei até a jogar bola.
É que eu tenho sonhado umas coisas estranhas. Essa noite
mesmo eu sonhei que quebrava o terço que minha mãe me deu
na minha primeira comunhão. O mais curioso é que, quando eu
contava para ela o que fiz, ela me olhou com carinho e disse: “Eu
fico feliz que você tenha encontrado o seu caminho, meu filho”.
COMPANHEIRA: Olha, amor! Você sabe que eu sempre te
incentivei a saber qual era o seu òrìṣà. Agora que sabe, você
precisa cuidar disso. Entende?!
Mauro se afasta da sua companheira, retira sua cueca e vai em
direção ao chuveiro, e a água começa a escorrer sobre o seu corpo.
MAURO: Eu não sei, amor... Eu passei a minha infância toda
ouvindo que esse lance de terreiro não era coisa boa.
Sua companheira retira o seu baby doll de cetim vermelho e entra no
chuveiro com ele.