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(Oficina dos Filmes) #1

que enxerga o roteiro como predestinado a ser um filme, por vezes,
despreza não somente seu caráter literário como também impor-
tantes elementos de recepção. Aqui, entendemos o roteiro de modo
diferente. Cremos que ele pode existir enquanto texto em si.


Uma analogia se faz possível: o texto dramático escrito para a en-
cenação teatral também carrega suas “doses de funcionalidade”,
mas poucos teóricos da literatura hoje ousariam requalificar essas
peças, retirando-as do posto de literatura. Quem hoje poderia dizer
que uma tragédia clássica não é considerada texto literário?


A literatura pode habitar um roteiro cinematográfico de diversas for-
mas: na escolha do vocabulário, no estilo, na construção dos diálo-
gos, na formulação dos cabeçalhos, nas figuras de linguagem, nos
arranjos narrativos, nas rubricas ou até mesmo na disposição do
texto no papel. Trata-se de um campo em expansão e constante ex-
perimentação. Quanto a isso, esperamos contribuir para as expecta-
tivas de Raymond Chandler, ao criarmos, reunirmos e compartilhar-
mos dados práticos e teóricos para a sistematização e formulação
do roteiro enquanto arte concretizada por meio de palavras.


Voltando ao texto de Carrière, ele afirma que toda a linguagem lite-
rária deve ser descartada logo de início na construção de um roteiro.
Caso sua sugestão seja acatada por completo, ousaria dizer que
jamais teríamos roteiro algum. Para Carrière, o roteirista é um ci-
neasta por excelência. Mas, talvez, o roteirista queira ser apenas um
roteirista. Isso, de modo algum, impede que o roteirista se reconhe-
ça enquanto cineasta ou realizador. Quiçá o roteirista possa também
organizar-se enquanto classe e procurar suportes distintos da tela
do cinema sem as mediações tão parcas impostas pelo sistema de
capital. Afinal, produzir um filme depende de uma ideia na cabeça
(talvez um roteiro!), uma câmera na mão e, inevitavelmente, algum
dinheiro no bolso.


Há uma infinidade de histórias engavetadas, roteiros a serem es-
critos, filmes a serem feitos, mas, se rodar um filme demanda uma
estrutura por vezes inviável, por que nos furtarmos da experiência
de registrar, publicar ou ler um roteiro? Um roteiro não precisa ser
filmado para existir enquanto texto, enquanto literatura.


Nosso livro conta com apoio do Governo Federal e da Secretaria de
Cultura do Estado da Bahia através da Lei Aldir Blanc e do Prêmio

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