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Preservar não só a memória mas Preservar não só a memória mas
também o que (ainda) existe.
Entre o apito do trem que avisava que estávamos chegando à estação ferroviária
e o carro do Sr. Silva, que, abarrotado, nos levaria à Atafona, passou pouco tempo.
Eu olhei o carro da década de 40 e pensei: “como vai dar tudo aí dentro, mais três crianças
e meus pais? Mas o motorista disse: está tudo pronto, vamos que a viagem é longa!” E
foi mesmo. Enfrentamos uma tempestade no caminho. O limpador de pára-brisas parou
de funcionar e o motorista passou fumo de cigarro para fazer a água escorrer mais
facilmente, e a felicidade nos fez chegar à Atafona.
Atafona do mar muito distante e sola dos pés queimados, dos roubos de ovos
nas casas vizinhas (que mamãe fazia devolver), do jogo de damas de meu pai nas
escadarias da Igreja da Penha, dos ambulantes vendendo de tudo nos cestos de burro
pela manhã, das pipas que empinávamos à tardinha à beira do rio Paraíba, do asfalto
da estrada Atafona-São João da Barra e das sementes de “olho-de-gato” que catávamos
enquanto papai vigiava quanto o asfalto andava por dia.
Depois veio a Kombi ano 1971, que meu pai colocava aos domingos na estrada
para levar os três fi lhos a Grussaí. Como a viagem era longa, sempre havia uma parada
em Cajueiro para ele comprar os três abacaxis, produzidos ali mesmo, “que eram doces
que nem açúcar” e que ele descascava com uma faca muito afi ada e cortava as “rodelas”
para distribuir entre nós. A gente sempre correndo literalmente atrás dele, pois a pressa
em chegar à praia era enorme!
Quando se avistavam as primeiras pitangueiras, pronto! Havíamos chegado a
Grussaí. A gente descia do carro e cada um corria para um lado, comendo com a maior
velocidade possível tantos frutos quanto conseguisse pegar. Papai sempre andando
depressa à nossa frente, em direção ao mar! E o mar era longe de onde o carro parava.
Mas era uma beleza! A gente “chupando” pitanga e correndo em direção ao mar!!!!
Correndo, rindo, sentindo o som do vento nas casuarinas, sem casa nenhuma por perto,
só a restinga, a areia quente e os camaleões que corriam apressados com a nossa
aproximação para as moitas de pitanga!
E lá estava o mar!!!! E uma história imensa com a restinga de Grussaí continuaria
a acontecer...
Depois conheci “Grussaí de dentro”, coisa para poucos. Comecei a ouvir a
história da construção da primeira casa da restinga de Grussaí e muitas outras histórias
saboreadas embaixo de uma castanheira,
até que um dia construí a minha própria
casa bem perto dali. Fiquei sabendo que
Grussahy (como era escrito antigamente),
poderia ter sido “Guruçá aí”, para os muito
mais antigos. “Guruçá”, ou “espera-maré”,
é um caranguejo que possui carapaça
quadrada e coloração branco-amarelada,
encontrado no litoral do Brasil, vivendo em
buracos acima da linha da maré alta em
praias arenosas.
Juro que não vi o tempo
passar, entretida com tantas coisas...
Mas um dia notei os condomínios
chegarem e as pitangueiras devagarinho
desaparecendo... mas “Grussaí de dentro”,
não! Este refúgio estava guardado! Mas,
qual nada, a pressão imobiliária também
tombou esta relíquia!
Eugenia unifl ora
Eugenia unifl ora
Foto: Graça Freire