Visão 1373 [27-06-2019]

(claudioch) #1
OPINIÃO

O plano de Zucherberg para


dominar o mundo, parte II


POR MAFALDA ANJ OS I Diretora

s distopias dão boas histórias:
alguns dos melhores livros de
ficção falam de mundos em que
o Homem é dominado por forças
que viram do avesso as socieda-
des e espelham o pior da natu-
reza humana -veja-se o 1984 de
George Orwell; O Ensaio Sobre
a Cegueira, de Saramago; O Quase Fim do
Mundo, de Pepetela; The Handmaid's Tale
de Margaret Atwood. Só que hoje pratica-
mente nem precisamos de literatura: ao ler
as notícias, parece que estamos no arran-
que de um livro de ficção científica com
um desfecho potencialmente desastroso.
O Facebook, o mesmo gigante que tem
estado nos últimos anos debaixo de fogo
intenso nos dois lados do Atlântico - pela
forma como poderá ter tido influência
direta nos resultados eleitorais nos Estados
Unidos da América e no Brexit, pelo uso
abusivo da informação, pela violação da
privacidade dos 2,4 mil milhões de utiliza-
dores (de longe, a maior nação do mundo)
-,teve agora nova ideia extraordinária:
lançar uma criptomoeda chamada Libra.
Sim, a discussão entre políticos e regu-
ladores dos EUA e Europa passa neste mo-
mento pela ideia de desmembrar empresas
tecnológicas como o Facebook, a Google
ou a Amazon -consideradas demasiado
· grandes e perigosas para não distorce-
rem o mercado (a senadora democrata
Elizabeth Warrenjá anunciou que se for
eleita Presidente dos EUA vai desmembrar
as companhias). Ainda assim, em vez de
se recentrar, Zuckerberg prefere seguir a
velha máxima inscrita por todo o lado na
sede mundial da sua empresa, em Silicon
Valley: "Hack and movefast'' (algo como
"hacka" e anda depressa).
A nova criptomoeda será uma parce-
ria entre 28 empresas e organizações não
governamentais, entre as quais a Uber, o
eBay, a SpotifY e a Farfetch (fundada por
um portugu~s), e que inclui empresas
de pagamentos como Visa, Mastercard e
PayPal. A sede fica em Genebra, na Suíça.
Tal como a polémica Bitcoin, esta divisa
poderá ser enviada eletronicamente entre
utilizadores em qualquer parte do mundo,
sem necessidade de uma entidade central.
A moeda circulará numa blockchain de
código aberto e descentralizada (a base de

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dados), mas o plano é que a Libra comece
por estar suportada por uma reserva de
moedas fiduciárias para evitar grandes flu-
tuações de valor. Ainda está bem presente
a memória das quedas abruptas da Bitcoin,
que afundou 80 % entre janeiro e setembro
do ano passado, arrastando algumas pou-
panças de utilizadores aventureiros. Terá
uma killer app que vai permitir pagar atra-
vés de um sistema de messaging, e muito
rapidamente pode vir a tornar- se uma
forma de pagamento informal utilizada
entre amigos ou para pequenas compras e
transferências internacionais. E já aspira a,
mais tarde, poder vir a conceder créditos.
O projeto foi, claro, vendido como
benemérito: agilizar a forma de milhares
de pessoas sem acesso a contas bancárias
transferirem e guardarem dinheiro a _Rartir
do telemóvel. Consegue ouvir os violinos?
Porém, em causa está, claro, um gigantesco
negó..QQ.Q_otencial de biliões de euros.
Depois de a Apple já ter tentado aven-
turar-se com um sistema de pagamentos
próprios no iPhone, esta nova Libra, com
estreia prevista para daqui a um ano, é um
assalto frontal e direto ao sistema finan-
ceiro (depois do assalto frontal e direto
à indústria dos média), que já está a
"panicar" com a ideia deste "bypass" aos
seus serviços. Isso só por si não é neces-
sariamente mau: pode obrigar a reduzir
custos de transação e agilizar processos.
O pior mesmo é a forma como o Face-
book e outras tecnológicas passarão a
ter um domínio planetário ainda maior
e a controlar as nossas vidas, agora sim,
de uma ponta à outra, com o histórico
que têm de utilização indevida de dados
pessoais. Além de lhes confiarmos a nossa
privacidade, também vamos entregar- lhes
o nosso dinheiro?
Com os gigantes tecnológicos debaixo
de enorme pressão regulatória e política,
a desconfiança em relação à Libra é mais
do que legítima. Convenhamos, tudo o que
o mundo não precisa neste momento é de
uma nova moeda global pensada pelo
Facebook. É bom que a indústria, os regu-
ladores e os Estados se mexam depressa,
ou o setor será triturado e todos nós en-
golidos num sistema atraente mas poten-
cialmente explosivo. Os danos potenciais,
esses, são incalculáveis. lll m anjos @visao.pt

HISTÓRIAS
DA CAPA

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As novas Ferrei-
rinhas do Douro
é o tema de capa.
Podemos escolher
uma para a pri-
meira página, mas
talvez não seja
a melhor opção.
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Uma imagem
que reúne cinco
mulhers no,meio
da vinha passa bem
a ideia.
3
A melhor é esta,
menos confusa,
e que permite uma
composição em
que entra bem
o Guia das Praias
Fluviais, oferecido
nesta edição.

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