Visão 1373 [27-06-2019]

(claudioch) #1

O exército alemão, boa parte da
população germânica e muitos nazis
eram toxicodependentes. Desde as
metanfetaminas usadas pelos soldados
para se manterem acordados mais
tempo (o que terá levado ao sucesso
da invasão de França) aos opiáceos e
à cocaína em que Hitler era viciado,
a Alemanha da guerra era um Estado
drogado. É essa a conclusão do
romancista e argumentista alemão
Norman Ohler, que investigou durante
cinco anos milhares de documentos,
incluindo as notas do médico pessoal
de Hitler, para escrever o livro Delírio
Total: Hitler e as Drogas no Terceiro
Reich (ed. 20 /20, 320 págs., €18).
Parece-lhe que este livro pode,
de alguma forma, ser usado como
justificação para as barbaridades
que os nazis cometeram?
Não.
Não se corre o risco de levar as
pessoas a pensarem que não foi
culpa deles, foi das drogas?
Não é assim que eu vejo as coisas.
Não é como se os nazis fossem um
movimento político de direita normal,
e depois o Hitler tomou drogas e
decidiu matar os judeus. Não foi
assim ...
Mas o facto de dizer que os nazis
estavam sob o efeito de drogas pode
efetivamente ser interpretado por
certas pessoas ou grupos como uma
desculpa.
Nunca ouvi nenhum grupo de
extrema-direita a usar o meu livro
como desculpa.
Alguma coisa teria sido diferente
se não estivessem sob o efeito de
drogas?
Depende do que estamos a falar.
O exército alemão usou drogas. Foi o
primeiro exército do mundo a fazê-



  • lo. Mas não foi para ofuscar a mente.
    As drogas eram usadas para que os
    soldados ficassem acordados durante
    mais tempo e obedecessem a ordens


agressivas. A ideologia do genocídio
não foi sonhada sob a influência de
drogas. Não sinto que esteja a desculpar
seja o que for.
E quanto ao resultado da guerra?
Teria sido diferente se os soldados
alemães não tivessem tomado
drogas que lhes permitissem
avançar tão depressa na conquista
de França, por exemplo?
Teria sido diferente. Na campanha
de França, o tempo era um fator
importante: só resultaria se fosse
rápido. E só resultou porque os
soldados não dormiram nas primeiras
noites. Portanto, podemos dizer que
o crystal meth [metanfetaminas] foi
usado de uma forma muito eficaz.
E que essa vitória mudou o rumo da
guerra. Sem o crystal methjulgo que
a vitória contra França não seria igual.
Talvez fosse na mesma uma vitória,
mas não aconteceria desta forma tão
incomum e triunfante. E isto deu a
Hitler um grande impulso.
O próprio Churchill mostrou-se
surpreendido com a velocidade do
avanço alemão. Os generais aliados
não levaram as metanfetaminas em
conta, na estratégia de guerra?
Não. Os cenários que anteviam,
sobre quão depressa [os inimigos]
conseguiriam avançar, estavam todos
errados, porque os alemães não se
comportaram de acordo com os
manuais. Para os Aliados, eles eram um
inimigo louco, que não conseguiam
compreender e para o qual não tinham
estratégia. Churchill dizia que em
algum momento o inimigo teria de
dormir e recuperar energia. Descansar
é uma necessidade básica dos
humanos, mas neste sentido os alemães
não eram humanos. Na altura, drogas
como esta não tinham sido utilizadas
antes, mas hoje até as forças especiais
dos exércitos as usam. Churchill, sendo
um alcoólico e não um utilizador de
metanfetaminas, não percebia isto.
Como é que o uso de drogas se
encaixava no discurso oficial dos
nazis, de pureza da raça, de um
estilo de vida saudável e "natural"?
É uma grande contradição e uma das
ironias do livro:. a ideologia apelava
a um estilo de vida saudável e a uma
genética superior, e por outro lado as
realidades da competição entre dois
exércitos, em que um saía beneficiado
por consumir drogas, tinham um
peso maior do que a ideologia.
O ministro da Saúde alemão sempre
se queixou aos militares de que isto

era contra a ideologia, que os alemães
não precisavam das drogas, que
mesmo sem elas eram superiores, mas
o exército estava mais preocupado
com questões práticas: se um soldado,
depois de tomar drogas, pode passar
três noites sem dormir, porque é que
não haveria de o fazer?
Portanto, foi tudo feito de uma
forma racional e com objetivos
precisos? ·
Sim. Foi uma ideia do professor Ranke,
que andou a fazer testes com estas
drogas antes da guerra e concluiu
que as pessoas sob a influência de
metanfetaminas conseguiam estar
mais tempo ativas do que quem não
tomara nada ou ficara só pelo café.
Antes do ataque contra França, quando
a estratégia passava por conquistar
Sedan, na fronteira, em 36 horas, Ranke
foi convidado a dar palestras a generais
e a explicar o que era o Pervitin
[nome comercial das metanfetaminas
produzidas na Alemanha] e quais eram
as suas potencialidades. Depois disto,
foram encomendadas 36 milhões
de doses de Pervitin. O exército
apercebeu-se de que tinha aqui mais
uma arma: uma arma farmacêutica.
E a Alemanha estava à frente de
outros países na produção de drogas.
Uma empresa alemã tinha a patente
do Pervitin, pelo que mais ninguém
o produzia. Mais tarde, uma
empresa britânica também fabricou
metanfetaminas, mas ...
Isso significa que só a Alemanha
estava em condições de usar esta
arma? Os outros exércitos não
conseguiam fazer o mesmo?
No início, não, não tinham esta droga.
Mas os ingleses nem pensaram nisso
antes. Os franceses, quando a guerra
começou, tinham um regulamento que
ditava que cada soldado recebia três
quartos de litro de vinho tinto por dia.
Ora, é melhor para o exército tomar
metanfetaminas do que vinho tinto.
Demorou algum tempo até os Aliados
perceberem o que se passava. Há um
primeiro artigo no jornal italiano
Corriere della Sera, no outono de 1940,
que refere que os pilotos da Luftwaffe
tomavam Pervitin para conseguirem
voar durante mais tempo, e foi aí
que os ingleses começaram a tomar
atenção e, depois, a fazer testes com
os seus próprios pilotos. Os britânicos
decidiram, a certa altura, começar a
dar aos pilotos anfetaminas, que é uma
versão mais fraca das metanfetarninas,
e mais tarde estenderam-no aos

27 JUNHO 20 1 9 VISÃO 13
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