mais de lá saiu. Já não qu eria voltar às sessões de
fotografia, estava era desejosa de calçar as botas e
entrar pela vinha adentro. A fami1ia viu-a fazer as
malas, de coração apertado. "Naqu ela época, de-
morava- se quase sete horas a chegar aqui", lembra.
Ainda por cima, imaginavam- na antes embrenhada
na Quinta Choca Palha, que entretanto h aviam
adquirido em Alenquer. Hoje, Sandra vai uma vez
por semana a Lisboa para tratar desse negócio dos
pais. Os restantes dias, passa-os entre Vila Real,
onde vive para que os três filhos tenham acesso a
melhor educação, e a sua herdade no Douro, de
onde sai o vinho Pintas.
Passou 15 anos no Vale D. Maria, enquanto res-
ponsável pela viticultura. E foi uma bela escola, nos
melhores anos de sempre. "Tive a sorte de aqui che-
gar quando estava tudo a começar novos projetas e
éramos jovens, solteiros e sem filhos ... Andávamos
sempre juntos, a partilhar experiências. Criaram-se
amizades fortes, apesar da concorrência. Esta aber-
tura foi fundamental para o Douro." Neste contexto,
conheceu o enólogo Jorge Serôdio, por quem se
apaixonou e com quem se casou, vai fazer 18 anos.
Com ele, comprou uma adega e uma vinha perto
do Pinhão, não uma casa, como costumam fazer
os recém-casados. Foram crescendo devagarinho,
mas com consistência - hoje, Sandra comanda
dez empregados a temp o inteiro, fora os eventuais
para a vinha, sempre em m odo familiar. Entretanto,
compraram a Quinta da Manoella, onde têm mais
vinha e é lá que hão de construir uma casa para
morar. "Sempre fui obstinada, teimosa e humilde.
Já todos perceberam que vim para aqui trabalhar e
aprender, sem esquecer as tradições." A sua receita
tem resultado infalível.
SANDRA TAVARES
DA SILVA
47 ANOS
EMPRESA
Wine & Soul
PRODUÇÃO
Com as uvas dos 30
hectares da quinta,
produzem-se 90 mil
garrafas por ano
de vinho Pintas, tinto
Character, branco
Guru, Porto Vintage
Pintas e Porto 5G
RITUAL
"Todos os dias, de
manhã, vou à vinha.
É lá que estou em paz
e focada só na terra,
afinal de contas aquilo
que sempre
me apaixonou."
A PRIMEIRA DE SEMPRE
Mais de 200 anos depois de O. Antónia
Adelaide Ferreira (1811-1896) ter vindo
ao mundo, não 'se hesita em escrever que
el a foi uma mulher à frente do seu tempo.
Nascida na Quinta de Travassos, em
Loureiro, então uma pequena vila a oeste
do Peso da Régua, em miúda aprendeu a
fazer renda e a cozinhar, mas cedo seguiu
a tradição da família, que andava há três
gerações a comerciar vinhos,
e rapidamente os internacionalizou.
Tudo, aliás, parece ter acontecido na
sua vida muito cedo. Casou-se aos 23
anos, com um primo também abastado,
e enviuvou aos 33, assumindo sozinha a
liderança dos negócios da família. Cinco
anos mais tarde, só da Quinta do Vesúvio,
uma das muitas propriedades que veio
a ter no Douro, saíam 700 pipas de vinho
do Porto.
Uma mulher à frente de uma empresa
era coisa rara na época - não podemos
esquecer-nos de que estávamos em
meados do século XIX-, mas o dedo só foi
apontado na sua direção quando se exilou
em Londres para resguardar a filha de um
"rapto". Maria da Assunção tinha apenas
11 anos; era o que mais faltava o duque
de Saldanha querer casá-la com o seu
primogénito.
Ela própria haveria de se casar e de
enviuvar novamente, regressando então
ao Douro, onde era conhecida como
"Ferreirinha". Combateria como poucos a
filoxera, essa moléstia que quase dizimou
por completo as videiras da região,
aproveitando para comprar a preços
baixos várias quintas. Mas nem por isso
a olharam de lado. Quando morreu, aos
84 anos, os jornais lamentaram a perda
desta "mãe dos pobres", dando conta de
um cortejo com quase quatro quilómetros,
tantas eram as pessoas a acompanhar
o coche fúnebre. R.R.
27 JUNHO 2019 VISÃO 39