Visão 1373 [27-06-2019]

(claudioch) #1

OLGA MARTINS
43 ANOS


EMPRESA
Lavradores de Feitoria


PRODUÇÃO
É CEO desta espécie
de cooperativa que
junta 18 produtores
de 20 quintas. Criaram
a marca própria Três
Bagos.


LEMA
''Trato todas as
pessoas de igual
forma. E exijo o mesmo
para mim."


A RAPARIGA DO ASFALTO


Sem qualquer pergaminho para entrar no mundo dos vinhos do Douro,
chegou a presidente de uma empresa de pequenos lavradores

O


leitor há de perguntar-se porque
está a palavra asfalto associada a uma
mulher que desde cedo se embrenhou
nas vinhas do Douro. A resposta virá
da boca da própria: "De Angola, onde nasci, vim
para Vila Real, sem qualquer ligação familiar ao
campo ou apetência para os vinhos." Quando che-
gou a altura de escolher o curso, foi para Aveiro
tirar Engenharia Química, pois via-se a trabalhar
na indústria alimentar. Mas depressa se desiludiu
e começou a ouvir falar de enologia e a querer ex-
perimentar. Claro que os pais lhe lembraram que
o mundo dos vinhos estava vedado a mulheres,
que no Douro só existiam famílias e que ela não
conhecia ninguém do meio. De pouco serviram os
conselhos parentais perante o fascínio que sentiu
durante o estágio na Quinta do Nova!, para onde
foi tirar a prova dos nove. "Adorei, apaixonei-me
realmente pela região e decidi que era mesmo
aquilo que queria fazer." E fez.
O curso foi um arzinho, a vindima em Bordéus
uma escola e tanto, e o primeiro trabalho no
Clube Vintage apenas uma passagem. A vida
havia de mudar quando, em 2000 , a entrevis-
taram para ser responsável pela área comercial
da recém-criada Lavradores de Feitoria (espécie
de cooperativa de pequenos produtores, que só
produz vinho DOC). A primeira impressão não
quis aceitar, mas Dirk Niepoort havia de con-

vencê-la a mudar de ideias. Ainda bem, porque
rapidamente se deslumbrou com tudo o que
aprendia e com toda a gente que conhecia. Há de
ter sido boa aluna, pois não foram precisos mais
de dois anos para a convidarem para o conselho
de administração no qual, já se imagina, só ha-
via homens. Hoje, é CEO da empresa. Até já foi
condecorada com a Ordem de Mérito Agrícola,
atribuída por Cavaco Silva (ao mesmo tempo que
Sandra Tavares da Silva). "Procuro trabalhar com
proximidade e que as pessoas se sintam felizes
aqui. Se for preciso despachar uma encomenda,
saio do escritório e vou para a adega ajudar."
É tudo cor-de-rosa, como nos sonhos? Nem pen-
sar. Muitas vezes teve de lidar com as interrogações
do meio: "Como é que ela entrou aqui? Pertence
a quem?" Quando se casou com um enólogo, que
tinha acabado de comprar uma vinha em muito
mau estado, e foi para lá viver, sentiu bastantes
olhares de reprovação. Durante um ano, frequentou
o mesmo café, sem que ninguém fosse simpático
com ela. "Aqui desconfia-se de quem vem de fora."
Esses dez hectares de vinha, perto do Pinhão, estão
recuperados, a casa encontra-se reconstruída, os
lagares e armazéns estão cheios de garrafas. Como
sempre gostou de ter um pé na produção, lançou
o tinto She by Poeira 2016, para demonstrar como
numa vinha austera, com acidez, pode ir buscar-se
a elegância e a subtileza femininas.

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