Visão 1373 [27-06-2019]

(claudioch) #1

nião formada sobre esse processo?
Um caso em que há uma acusação do
Ministério Público (MP) mas nenhu m
julgamento em tribunal não deve ser
discutido seriamente.
É a sua formação d e jurista que o
impede de ir mais longe na avalia-
ção do caso?
É, é. E o facto de saber que até haver
sentença de condenação com trânsito
em julgado, as pessoas se presumem
inocentes. O que não impede que
possa haver uma discussão política.
Mas acho que só devia haver uma
discussão política se as pessoas tives-
sem um mínimo conhecimento das
razões de um lado e do outro. Eu não
tenho. Durante os longos meses em
que esperei pela acusação do MP, eu
tinha formado a decisão de a ler, com
atenção, da primeira à última linha.
Mas quando soube, pelos jornais, que
a acusação tinha cinco mil páginas,
mais 20 mil de documentos anexos,
desisti. Aliás, foi um erro do MP fazer
uma acusação tão grande. A capaci-
dade de síntese é fundamental em
Direito. Nenhum órgão de informa-
ção arranjou uma equipa que tenha
lido a acusação e que tenha feito um
trabalho jornalístico fundamentado.
Todos se limitaram a publicar resu-
mos elaborados pelo próprio MP.
Isso não contribui em nada para que
se faça justiça.
Quando aceitou integrar esse
governo, o seu retrato foi retirado
das paredes da sede do CDS (já foi
reposto) e houve um psicodrama
no Largo do Caldas. Como viveu
esse momento?


DIOGO FREITAS DO AMARAL

MAIS 35 ANOS
DE DEMOCRACIA
UM PERCURSO SINGULAR
MEMÓRIAS POJ.ITICAS III
119 82-20 t 7)

Na ONU O presidente da
Assembleia Geral, com Jiang
Zemin, Clinton, Boutros-Ghali,
Yeltsin e Chirac. E o terceiro
volume das memórias, agora
publicado

Nos primeiros cinco minutos, fiquei
irritado. Mas depois percebi imedia-
tamente que quem iria cair no ridícu-
lo seria quem tomou essa decisão, não
eu. Como veio a acontecer.
Já havia, então, alguma falta
de moderação na política
portuguesa. Mas o eng. Sócrates,
convenhamos, não será um
exemplo de moderação ...
Na imagem que ficou, não. A imagem
que ficou foi a do "animal feroz" ... Mas
nunca alinhei com as pessoas que só
sabem dizer mal dele. Era uma pessoa
educada, simpática e que, como
primeiro- ministro, estudava m uitís-
simo bem os dossiers, que dominava,
estando sempre preparado em todas
as matérias que se discu tiam no
Conselho de Ministros. E era muito
competente a dar orientações
aos seus ministros.
No livro, distingue uma boa pri-
meira fase de Sócrates e uma má
segunda fase ...
O que não acho é que seja justo estar
a criticar coisas que correram bem
nos governos dele, só porque, mais
tarde, terá cometido alguns crimes -
não sabemos. A verdade é que, quan-
do formou o primeiro governo,
o défice previsto pelo Banco de
Portugal era de 6,8%, resultado dos
governos de Durão Barroso e Santana
Lopes. E ele, em três anos, através
de algumas medidas de austeridade
combinadas com o estímulo ao in-
vestimento, conseguiu fazê-lo recuar
para 2,9%, abaixo dos 3% previstos
por Maastricht! Por muito mal que ele
tenha andado a seguir, não se pode

dizer que isto foi mau! Enfrentou sin-
dicatos poderosos, juízes, magistrados
do MP, professores, etc., sempre com
grande coragem - e quase sempre
ganhou! Eu ouvi gente do PSD a dizer
"um tipo destes é que faz falta no
nosso partido"! D epois, perante a cri-
se de 2008, reagiu mal. Estava sempre
à espera de boas notícias para o dia
seguinte, e deixou a situação finan-
ceira tomar- se incontrolável. Não foi
capaz de perceber que aquilo era uma
coisa de grandes dimensões.
O senhor foi presidente da Assem-
bleia Geral da ONU. Como avalia
o papel de António Guterres?
Como seria de esperar, ele tem feito
tudo e mais alguma coisa, mas dentro
de limitações claras: o secretário-geral
da ONU não pode fazer nada contra
os EUA e nada sem os EUA. Como
várias destas causas, como o combate
às alterações climáticas ou o proble-
ma das migrações, têm, da parte de
Trump, uma posição contrária, é difí-
cil remar contra a maré. Mas Guterres
tem tido sempre a coragem de dizer
de que lado está. Nunca, por causa
da América, deixou de o fazer.
Sente alguma mágoa por nunca
ter desempenhado qualquer cargo
político de eleição direta, à exceção
de deputado?
Mentiria se lhe dissesse que não.
Fiz política com gosto e tinha por
objetivo ter sido primeiro- ministro
ou Presidente da República. Não con-
segui. Tenho pena? Claro que tenho.
Mas sendo um outsider, há muitos
anos sem participação na política
partidária, fui capaz de sublimar
essas derrotas, percorrendo outros
caminhos que, normalmente, os
políticos derrotados não percorrem.
E orgulho-me de ter liderado um dos
partidos fundadores da democracia,
eml974.
É esse o legado que deixa a Portugal?
Apraz-me pensar que sim. Nem
quero imaginar o que seria um CDS,
naquele período, liderado por alguém
com o perfil de um Donald Trump ou
de um Erdogan. Num quadro propí-
cio a tentativas de golpes de generais
como Spínola, Galvão de Melo ou
Kaúlza de Arriaga, a implantação da
democracia teria sido muito mais di-
fícil e muito menos pacífica. E o meu
legado, sem falsas modéstias, é o de
ter contribuído para a implantação de
uma democracia autêntica, que nunca
mais foi posta em causa. E já passa-
ram 45 anos. liJ [email protected]

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