Visão 1373 [27-06-2019]

(claudioch) #1

AS FALHAS DE VÍTOR CONSTÂNCIO


o
A NACIONALIZAÇÃO DO BPN
Nunca foi devidamente esclarecido o papel de Vítor Constâncio
no processo de nacionalização e reprivatização do Banco
Português de Negócios (BPN) enquanto responsável máximo
do órgão de supervisão bancária. Ou desde quando sabia das
fraudes da equipa de Oliveira e Costa, já que há anos alertava
para a exposição excessiva à SLN, mas não concretizava
acusações. Deve ter sido por esta altura que se tornou
recorrente ouvir nas comissões de inquérito a desculpa do "não
vi, não ouvi, não sei de nada". Em 2012, o CDS lamentou que
o relatório final dessa comissão de inquérito não carregasse
mais nas culpas a Constâncio e nas "g raves responsabilidades
que teve a supervisão, um poder público que não defendeu
os contribuintes". À época, o então governador do Banco de
Portugal afirmou que a supervisão não tem como missão detetar
fraudes nem tinha "os poderes do FBI ou do KGB" e que naquela
altura os poderes de supervisão eram muito escassos. Ainda
hoje se fazem contas aos prejuízos da nacionalização do banco.

o
A FRAUDE NO BPP E NO BCP
Antes de assumir a vice-presidência do Banco Central Europeu
(BCE), Vítor Constâncio respondeu, em Bruxelas, a perguntas
de eurodeputados. Uma eurodeputada luxemburguesa do
Partido Popular Europeu perguntou-lhe então: "Como se pode
explicar que um homem que fracassou no seu país possa ser
responsável pela supervisão na Europa?" Em causa estavam as
suas responsabilidades de supervisão financeira no caso BPN
mas também no BPP de João Rendeiro ou no BCP de Jardim
Gonçalves. Era como "dar barras de dinamite a um pirómano",
acrescentou a eurodeputada. Constâncio disse que nada podia
fazer, porque os três casos de fraude na banca portuguesa
tinham sido "cometidos ao mais alto nível".

o
A GESTÃO DA CGD E A "OPERAÇÃO BERARDO"
Chamado à comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa
Geral de Depósitos, Vítor Constâncio apresentou-se em março,
mal preparado, e num estado de amnésia tal que viria a chocar
os deputados. Porém, à segunda parecia ter feito o trabalho de
casa. Os deputados queriam saber qual a sua responsabilidade
nos créditos ruinosos que tinham sido dados pela Caixa Geral de
Depósitos, sobretudo nos créditos ao madeirense Joe Berardo.
Porque falhara a supervisão?
Constâncio conseguiu rebater muitas das acusações que lhe
foram feitas nas últimas semanas, mas não conseguiu convencer
quando disse que só soube do financiamento da CGD a Berardo
para compra de ações do BCP muito mais tarde. Afinal, houve
troca de correspondência entre a Fundação Berardo e o Banco
de Portugal e reuniões em que se discutiu e se aprovou que o
supervisor não iria opor-se ao reforço da posição acionista do
empresário madeirense. Sobre as acusações que lhe foram
feitas pelo ex-administrador do BCP Filipe Pinhal-que fez
parte do triunvirato que quis tomar de assalto aquele banco
privado (juntamente com José Sócrates e Teixeira dos Santos)-,
defendeu serem calúnias e ameaçou com um processo.


através do BES ou de uma das suas participa-
das." Pouco antes da queda, o banco foi obri-
gado a incorporar nas suas contas semestrais
uma provisão para assegurar o reembolso
daqueles clientes. Após a resolução de 3 de
agosto, o supervisor bancário respondeu a
emails de investidores..dando a garantia de
que a responsabilidade do reembolso do
papel comercial tinha passado para as mãos
do Novo Banco. Os "lesados" pareciam poder
respirar de alívio. Mas afinal não. A certa al-
tura, o Banco de Portugal parece ter decidido
que o Novo Banco não podia assumir respon-
sabilidades que não eram suas. Resumindo:
o dinheiro provisionado para um fim não foi
usado para esse fim.
E, como se isto não bastasse, a venda do
Novo Banco foi também ela desastrosa. Meses
e meses de negociações e, na prática, acabou
por ser vendido a um preço negativo. E isto
depois de, só numa primeira fase, terem sido
injetados 4 900 milhões de euros na criação
do banco herdado do BES. Aquele que era
suposto ser bom e estar livre de ativos tóxicos.
A gestão pós-resolução doBES também
não terá sido a melhor, de acordo com um
parecer da Comissão Europeia de outubro
de 2017, que a VISÃO consultou. O parecer
fala em "deficiências críticas" na condução
do Novo Banco, já sob a gestão do Fundo de
Resolução e sob a responsabilidade do Banco
de Portugal, e de uma enorme destruição de
valor depois da resolução do BES. Segundo
os cálculos da Comissão Europeia, a 30 de
junho de 2014 o BES apresentava 80 ,2 mil
milhões de euros em ativos, mas em junho de
2017 o Novo Banco já só apresentava ativos
de 50,1 mil milhões de euros, e era expectável
que o valor desses ati vos baixasse para os 40
mil milhões.
O mais curioso é que quando Carlos Costa
foi escolhido para substituir Constâncio à
frente do Banco de Portugal, já não tinha pro-
priamente um passado consensual na banca:
estava na CGD quando o banco público apro-
vou muitos dos créditos problemáticos e, no
BCP, foi o responsável por autorizar créditos
de milhões a sociedades offshore. Do BCP à
CGD, do Banif ao BES, Costa acumulou tantas
polémicas que o Bloco de Esquerda chegou a
pedir a exoneração do homem que manda no
Banco de Portugal desde 2010. Carlos Costa
só é um sobrevivente porque o seu cargo é
praticamente inamovível: só pode ser demi-
tido em circunstâncias muitíssimo especiais,
provas de falha grave e em articulação com
o BCE. Responsável ou negligente pelo que
falhou neste ou noutro banco, não interessa.
Poucos homens podem dar-se ao luxo de ter
um cargo como o de Costa e Constâncio. Em
que podem dizer, independentemente do que
façam ou não façam: "Daqui não saio, daqui
ninguém me tira." III [email protected]

27 JUNH O 2019 VISÃO 57
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