OPINIÃO
TIME
Hong Kong:
O ualor da liberdade
P O R J O S H U A W O N G * I 22 anos, secretário-geral do partido pró-democracia Demosisto de Hong Kong
m dezembro de 2014, nos últimos dias do Mo-
vimento dos Guarda-Chuvas, cartazes gigantes
proclamando "Nós voltaremos" apareceram ao
longo de Harcourt Road, uma das três princi-
pais avenidas que há três meses estão ocupadas
por manifestantes pró-democracia.
O protesto não conseguiu concretizar o
principal objetivo, que é eleger, por sufrágio
universal, o nosso chefe executivo, mas des-
pertou uma geração de cidadãos de Hong Kong
para resistir à ingerência de Pequim, e mostrou o poten-
cial da desobediência civil.
A promessa [nos cartazes] foi cumprida quando
mais de um milhão de pessoas saíram à rua contra uma
emenda legislativa que permitiria a Pequim exigir a
extradição de qualquer indivíduo [suspeito] em Hong
Kong. O chefe executivo teria a última palavra, mas, uma
vez que ele ou ela são nomeados pelo Governo chinês,
temos todas as razões para nos preocuparmos. A mar-
cha pacífica a 9 de junho não conseguiu mudar a posição
inabalável de Carrie Lam, e obrigou os manifestantes a
darem um outro passo.
Fiquei profundamente emocionado quando vi na
televisão manifestantes a resistirem às autoridades que
queriam retirá-los de Harcourt Road. Há cinco anos
aconteceu exatamente a mesma situação, e eu fui detido
temporariamente numa esquadra da polícia. Sinto sau-
dades desse tempo, mas desta vez num lugar diferente:
Lai Chi Kok Reception Centre [a maior penitenciária de
Hong Kong]. Como líder estudantil do Movimento dos
Guarda-Chuvas, estou a cumprir a minha terceira pena
de prisão.
Aqui, as informações sobre o mundo exterior são
escassas, mas aproveito todas as oportunidades para
seguir as notícias pela televisão ou pelos jornais. São
más as condições de higiene, e só consigo limpar a mi-
nha mesa com pasta de dentes. Nos dias mais chuvosos
de verão, o calor extremo é tão insuportável que ligar a
ventoinha ainda faz pior.
Partilho um~ cela com outros cinco reclusos, quase
sem privacidade, e apenas com uma exígua casa de
banho. O momento por que mais anseio em cada dia é
quando amigos ou familiares vêm visitar-me; vejo-os
através de uma barreira de vidro e falo com eles
por telefone.
A minha falta de liberdade, hoje, é o IJlliO que eu
sabia gue teria d.u@gar pela cidade que amo. Nos cinco
anos de existência do Movimento dos Guarda-Chuvas,
mas sobretudo desde 2017, quando Carrie Lam tomou
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posse, a nossa autonomia só se tem deteriorado: cada
vez mais candidatos da oposição são rejeitados por Pe-
quim e impedidos de concorrer a cargos em eleições; o
Partido Nacional de Hong Kong, pró-independência, foi
totalmente proibido; foi proposta uma diretiva sobre o
hino nacional que criminaliza quem desrespeitar a Mar-
cha dos Voluntários [hino nacional da República Popular
da China].
A China está determinada a transformar Hong Kong
à sua semelhança. Se não tomarmos uma posição, todos
teremos menos liberdade.
"Os que impossibilitam uma revolução pacífica tor-
narão inevitável uma revolução violenta", dizia o Presi-
dente [dos Estados Unidos da América] John F. Kenne-
dy. Embora eu continue a acreditar que a resistência não
violenta é o melhor caminho para salvaguardar o nosso
modo de vida, a China e o seu governo fantoche em
Hong Kong têm de ser responsabilizados pela escalada
da crise atual.
Este não é um caso isolado. O braço imperial de
equim estende- se e chega a todo o lado, de Taiwan
e Xinjiang até ao mar do Sul da China e mais além. Seja
q!Jal for o desfecho, a nossa cidade jamais será a mesma.
Uma vez que interesses norte-americanos, económi-
cos e de segurança, também ficarão em risco se forem
aplicados acordos de extradição com a China, creio ter
chegado a altura de Washington reavaliar o United
States-Hong Kong Policy Act de 1992 , que rege as rela-
ções entre as duas partes. Também apelo ao Congresso
[norte-americano] para que aprove o Hong Kong
Human Rights and Democracy Act [projeto-lei, apre-
sentado em 2017 pelos senadores Tom Cotton e Marco
Rubio, que prevê sanções contra quem suprimir Direitos
Humanos em Hong Kong].
A restante comunidade internacional deve igualmen-
te envidar esforços semelhantes. Uma vitória deY._equim
é uma vitória do autoritarismo em qualquer lugar. Man-
ter a vigilância sobre esta cidade enviará uma mensagem
importante aos dirigentes chineses de que o futuro é a
democracia, não o autoritarismo. Isso também manterá
as nossas esperanças vivas, sabendo que não estamos a
lutar sozinhos.
- Joshua Wong escreveu este artigo na prisão, antes de ser libertado a 17 de junho, duran·
te os protestos QUe forçaram a chefe executiva de Hong Kong, Carrie Lam, a suspender
por tempo indeterminado um controverso projeto·lei de extradição de fugitivos para a
China e a pedir desculpa aos manifestantes, QUe continuam a exigir a sua demissão.
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Traduzido da TIME Magazine e publicado com autorização da liME tnc.