Jornal de Letras, Artes e Ideias

(claudioch) #1

4· educação


jomaldeletras.pt • 19 de junho a 2 de julho de 2019 / dL


Plano Nacional de Leitura


Literária, precisa-se


"Miúdos a Votos", iniciativa da VISÃO Júnior e da Rede de Biblioteéas Escolares, na sua 3ª edição,


foi de novo um êxito, com mais de 78 mil alunos a votarem. Aqui se dá notícia de como foi e


quais os livros eleitos pelos jovens leitores de cerca de 470 escolas de todo o país. Pedimos a um


especialista em literatura infanta-juvenil, doutorado em Literatura Portuguesa pela Un. Nova


de Lisboa, José António Gomes - prof. na ESE do Politécnico do Porto e investigador do CLP da


Universidade de Coimbra -, também ele autor naquele género, e poeta, com o pseudónimo João


Pedro Mésseder, um comentário aos ,. resultados' da eleição


José ANTÓNIO CoMES

tl Meritória, a iniciativa "Miúdos a
votos: quais os livros mais fi-
xes?", é reveladora de um certo
estado de coisas a que chegaram
as inclinações de leitura dos mais
jovens. Até porque as escolhas
são feitas em plena liberdade. Não
Abros Este Livro, de Andy Lee, foi o
mais votado no 1.^2 Ciclo; Avozinha
Gdngster, de David Walliams, no


2.^2 Ciclo; Harry Potter e a Ped~
Filosofal, de J. K. Rowling, reuniu
o maior número de votos no 3.^2
Ciclo; e A Culpa É das Estrelas,
de John Green, foi o eleito pelos
jovens do Secundário. Votaram
33 733 alunos do 1.^2 ciclo; 22 479
do 2.^2 ; 19 223 do 3.^2 ; e 2 888 do
Secundário.
Quem estuda literatura sabe que
estas obras pertencem àquele res-
valadiço terreno a que hoje se cha-
ma paraliteratura (e que também
forma leitores, não nego). Mas sabe
também que a literatura é outra
coisa. Respiremos, no entanto, um
pouco, porque Sophia ou Saramago
(A Maior Flor do Mundo) também
constam da lista dos mais lidos no
1.^2 ciclo; Vrrginia Woolf (A Viúva e o
Papagaio) e Maria Alberta Menéres
da do 2.^2 ; o Diário de Anne Frank
ou O Rapaz do Pijama às Riscas, de
John Boyne, da do 3·º· E cerca de
10 % dos votantes do Secundário
escolheram Os Maias. Serão 1.0%
dos leitores de ficção em Portugal
apreciadores da chamada grande
literatura? Duvido que cheguemos
a tal percentagem. Menos mal,
portanto.
"Uma das riquezas deste projeto
é poderem escolher os livros de
que gostam, sem ninguém estar a
dizer que é este e não aquele. Os
ditadores têm medo dos livros e fa-
zem listas de livros proibidos. Mas
há outra maneira de fazer listas
de livros proibidos: é fazer listas
de livros obrigatórios e não deixar
ler outros. É muito importante
que este projeto contagie outras
coisas nas escolas." Isto afirmou
João Costa, secretário de Estado
da Educação, que, sabemo-lo há
muito, não é partidário das listas


de obras indicadas para Educação
Literária, nas Metas Curriculares
de Português. Mas, se está a
insinuar outra coisa, como penso
que está (admito contudo estar
enganado), equivoca-se dupla-
mente. No tocante aos programas
em vigor, não foram feitas "listas
de livros obrigatórios" - é preciso
ler os documentos programáticos
até ao fim e com rigor, atentar no
valor de verbos como "escolher" e
de conjunções como "ou", e com-
preender que se tenta revalorizar a
leitura literária, propondo um câ-
none mínimo mas plural, que abre
caminhos diversos. Além do mais,
remete- se sempre o professor para
a "malha larga" das intermináveis
listas do Plimo Nacional de Leitura
(PNL). Por outro lado, ninguém se
vê impedido de ler seja o que for
nas nossas escolas, como demons-
tra o "Miúdos a votos". Se alguma
coisa coarta os alunos são, isso Festa final Manifestação pelos livros nos jardins da Gulbenkian

Escolher os livros de que mais se gosta


Os resultaods nacionais da votação de "Miúdos a
Votos: quais os livros mais fixes?" foram revelados
numa cerimónia realizada na FUndação Calouste
Gulbenkian a 31 de maio, em que esteve presente o
secretário de Estado da Educação, João Costa.
No dia 15 de março, 78 382 alunos de mais de
460 escolas, das quais quatro no estrangeiro (em
Angola, França e Moçambique), tinham ido às
urnas votar nas suas histórias preferidas. Na festa
final, em que foiam revelados os resultados das
eleições, participaram 26 escolas vindas de vários
pontos do país, Açores incluído, mostrar trabalhos
que desenvolveram durante o ano letivo.
Esta inciativa da revista VISÃO Júnior e da Rede de
Bibliotecas Escolares cruza leitura com cidadania.
Conta com o apoio da Comissão Nacional de
Eleições, Fundação Calouste Gulbenkian, Plano
Nacional de Leitura, Pordata e Rádio Miúdos.
O projeto desenrola-se durante todo o ano letivo
e segue as regras e etapas de unias eleições
políticas, permitindo aos alunos (do 1.^2 ao 12.^2 ano)
peceberem como se organizam umas eleições e,
simultaneamente, debaterem e trocarem ideias
sobre livros.

Os alunos podem apresentar como candidatos a
estas eleições qualquer título, seja de ficção, banda
desenhada ou poesia. Os livros precisam de reunir
·um número mínimo de candidaturas para integrar
as listas nacionais. Apurados os livros nomeados


  • que são já, por si só, uma escolha-, inicia-se a
    campanha eleitoral. Os alunos organizam debates,
    criam cartazes, fazem manifestações. No dia da
    votação, as mesas de votos são compostas por
    alunos, que aprendem assim como se vota. São
    também eles (sempre com o auxílio e supervisão
    dos professores) os responsáveis escrutínio.


sim, as lamentáveis circunstâncias
atuais do ensino do Português (os
professores o digam), que lhes não
permitem desenvolver a chamada
leitura literária e lhes não consen-
tem um convivio fecundo e gratifi-
cante com os textos literários, atra-
vés de metodologias adequadas.
E isto acontece por muitas
razões. Uma delas é a inexplicável
falta de formação contínua dos
docentes em Literatura e respetiva
Educação Literária (que deveria ser
obrigatória). Outra prende- se com
os conceitos dominantes de pro--
moção da leitura. De uma vez por
todas, entenda-se que a leitura não
é toda igual nem as leituras valem
todas o mesmo. A competência da
leitura literária é complexa, exi-
gente. E, quando se fala em leitura
literária, não se fala apenas do
prazer da leitura; fala-se também
de fruição da leitura, que é coisa
bem diferente, como a teoria e a
prática ensinam. A leitura literária·
não pode aliás ser confundida com
outros tipos de leitura (dos media,
de informação em suportes digi-
tais, de textos das redes sociais, de
discursos não literários ... ).
Hoje, mais do que nunca,
convenci-me (e não estou só) da
urgência de um Plano Nacional de
Leitura Literária como componente
fundamental do PNL. Dotado de
meios e desenvolvido em articula-
ção com o Ministério da Educação
e com as instituições de formação
de educadores de infância e de
professores do básico e secundário.
Surpreende a lista do "Miúdos a.
votos"? Não creio. Muitos miúdos,
em matéria de gosto, não serão
tão diferentes assim do comum
dos seus pais (os que alguma coisa
leem, bem entendido). E a escola
não tem logrado elevar - lhes o
nivel de gosto estético (exercendo
com qualidade e rigor a função de
regulação que lhe compete). Ora,
quando se nivela por baixo, está-
-se, paradoxalmente, a favorecer o
elitismo em termos socioculturais.
É que os filhos das classes traba-
lhadoras também têm direito a
compreender (e a fruir) Camões,
Vieira, Cesário, Eça, Pessoa, Sena
ou Agustina. E a entender textos
filosóficos e científicos complexos


  • que os preparem para enfrentar
    desafios futuros.
    O que as votações dos alunos
    _evidenciam é que o leque de esco-
    lhas abrange, no essencial: a) livros
    recomendados precisamente nas
    listas da Educação Literária ou nos
    Programas de Português em vigor
    (menos mal); b) e outros ainda, que
    antes classifiquei como paralitera-
    tura, situados nos lugares cimeiros,
    é certo, mas não tão distanciados
    assim dos de indiscutível qualidade
    literária. Obras que, como resulta
    evidente, existem nas nossas bi-
    bliotecas escolares e nas públicas.
    Só que precisamos todos de
    fazer muito mais. E com mais
    meios. .-.


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