Jornal de Letras, Artes e Ideias

(claudioch) #1

JL / 19 de junho a 2 de julho de 2019 • jornaldeletras.pt


CAMÕE5 · 3


t i A Cátedra Fernão de Magalhães
da Universidade chilena de Playa
Ancha (UPLA), criada em 2018 com
o apoio do Camões, LP. no quadro
do Programa de Doutoramento
em literatura Hispano- americana
Contemporânea e do Centro de
Estudos Avançados da mesma
universidade vai realizar entre 4 e 6
de novembro próximo, em Santiago
do Chile, Valparaiso e Vú\a dei Mar,
um congresso internacional dedi-
cado ao navegador português.
Entre as presenças já con-
firmadas no Congresso estãó os
nomes da escritora moçambicana
Paulina Chiziane e do professor da
Universidade de Goa Pedro Pombo.
O numeroso comité académico
do evento, onde é significati-
va a presença de académicos de
universidades brasileiras, tem
como primeiro nome a profes-
sora brasileira da UPLA Daiana
Nascimento dos Santos, diretora
da Cátedra Fernão de Magalhães,
e dele faz parte, nomeadamen-
te, a docente do Camões, I:P. na
Universidade de Santiago do Chile
Vera Fonseca de Carvalho, a pro-
fessora da Universidade de Cabo
Verde e diretora da Cátedra Eugénio
Tavares de Língua Portuguesa
(apoiada pelo Camões, LP.) daquela
universidade, Anlália Melo Lopes,
o diretor da Cátedra Fernando
Pessoa (igualmente apoiada pelo
Camões, LP) da Universidad de
los Andes -Colômbia, Jerónimo
Pizarro, bem como os professores
da Univérsidade do Porto Amélia
Polónia e da Universidade de

em Portugal. «Qualquer que seja a
diferença do olhar ou de perceção,
[não percebo como é que] essas pes-
soas que querem que se restitua esse
património vão gerir, primeiro, e onde
colocar>>.
A propósito da relação Brasil-
Portugal, uma relação que classificou
como «hegemónica>> no quadro da
lusofonia, nomeadamente pela forma
como o Prémio Camões é atribwdo,
Mucavele observou que «Portugal
quase que se fechou para os paises
africanos>>. «O Portugal dos anos 8o já
não é o mesmo de agora>> e «os portu-
gueses quase se dissociaram de África,
já não olham para África>>.
O jornalista e escritor moçambica-
no falaria ainda do posicionamento de
algumas comunidades de afrodescen-
dentes portugueses, nomeadamente
de origem cabo-verdiana, falando em
tom crítico do seu fechamento cultu-
ral. «Protestam contra a policia atra-
vés da música, mas essa música é em
crioulo e não em português>>. «Essa
crioulização do meu sofrimento, da
minha diferença, até onde vai chegar,
a quem vai alcançar?>>, perguntou.
«As pessoas guetizaram -se>>, disse,
considerando a crioulização «uma
narrativa de exclusão>>.

AS GERAÇÕES
Este foi o primeiro ano em que o pro-
grama de residências artísticas resul-
tantes da colaboração entre a CML e o
Camões/CCP em Maputo contemplou

Chile


Cátedra Fernão de Magalhães


organiza congresso em novembro


a literatura. Em anos anteriores, os
criadores pertenciam às áreas das artes
visuais e da fotografia.
Pela primeira vez também, o pro-
grama de residências prevê este ano
um' movimento no sentido inverso,
com a deslocação a Maputo, também
durante um mês, em setembro, de
um autor português, em processo de
seleção, segundo indicou o dire-
tor municipal de cultura de Usboa,
Manuel Veiga.
A escolha de Amosse Mucavele
foi feita por um júri constittúdo por
Clara Riso (Casa Fernando Pessoa,
convidada), Manuel Veiga (CML) e
João Pignatelli (conselheiro cultural
e responsável do Camões -Centro
Cultural Português em Maputo), que
considerou por unanimidade ser a
proposta de trabalho do escritor e
jornalista moçambicano a que melhor
se enquadrava na lógica do programa
de residência literária.
Marta Lança manifestou na sessão
a convicção de que «a circulação de
autores portugueses e moçambicanos
entre uma cidade e outra será muito
frutífera>>, no sentido de «menorizar
alguns preconceitos e ignorâncias
comuns>> e «as imagens pré-feitas que
temos de certos países e da própria
construção da lusofonia>>. «A pro-
dução literária é uma área que conta
muito para esse interconhecimento>>,
sublinhou.
O estado da literatura moçambi-
cana e as várias gerações que aquela

já conhece ocuparam ainda boa parte
da conversa entre Amosse Mucavele e
Marta Lança, que lembrou não acredi-
tarem os escritores moçambicanos Mia
Couto e João Paulo Borges Coelho que
exista uma literatura moçambicana.
Na resposta, Mucavele afirmou que
«há uma tradição literária moçam-
bicana>>, que «nós, como criado-
res e estetas, em momento algum
podemos deixar de anunciar>>. «Rui
Knopfli, José Craveirinha, João Dias,
Ltús Bernardo Honwana são as vozes
primeiras>>, sustentou Mucavele que
seriou depois as sucessivas gerações de
escritores moçambicanos.
Disse ele que a essas «vozes
primeiras>>, seguiu -se, «depois da
independência>>, uma «geração inter-
média, onde vem Mia Couto, Calane
da Silva -um dos grandes poetas que
eu não sei se conhecem em Portugal
-, Ltús Carlos Patraquim, Heliodoro
Baptista, [que] são grandes poetas>>.
Em 1982, «surge a geração [da revista]
Charrua, a geração do Ungulani Ba
Ka Khossa, do nosso grande poeta
Eduardo White, do poeta Armando
Artur, Aldino Muianga e Filimone
Meigos>>. Nos anos 90 , aparece uma
nova vaga em que figuram os escri-
tores Paulina Chiziane e Suleiman
Cassamo. Segue-se uma «outra
geração, que não tem nome mas que
é uma geração muito boa, onde se
inclui o Adelino Timóteo, que é da
Beira, o Guita Júnior, criador do jornal
literário Xiphefo [publicado a partir

Coimbra Carlos Ascenso André.
O período p'ara a apresentação
de propostas de comunicações e de
realização de painéis no congresso,
que tem como tema Os oceanos de
fronteiras invisíveis na órbita de
Fernão de Magalhães, decorre ate
31dejÚiho.
As propostas deverão enqua-
drar-se nos dez temas que foram
enunciados pelos organizadores do
congresso, a saber: (1) As múl-
tiplas possibilidades de conhe-
cimento em torno da imagem I
tema do oceano; (2) Oceanos e
viagens:Magalhães,conten~po­
raneidade e perspetivas futuras;
(3) literatura mundial, literaturas
de viagem: cartografia do mundo;
(4) Portos e Oceanos: Portugal I
Chile de finisterra a finisterra; (s)
literatura e Dramaturgia Portuária:
Valparaíso, Luanda,Lisboa,Bahia
e outros enclaves culturais; (6)
Descobrimentos, transitoriedades,
deslocamentos e violências; (7)
Paisagem, representação e imagi-
nário oceânico; (8) Silêncios, resis-
tências e identidades na literatura
contemporânea; (9) (Des)encontros
culturais: fronteiras, desertos,

de 1987 ], o Momed Kadir e o Adriano
Alcântara, que vive em Usboa>>. Oásis
é o nome de uma revista e de uma
geração de que fazem parte Sangare
Okapi, Mbflte Pedro, Aurélio Furdelo
e Lucflio Manjate, «que são ago-
ra os nossos príncipes da literatura
moçambicana>>, no dizer de Amosse
Mucavele. Mais recentemente, «vem
essa geração>> -publicada pela 'Cavalo
do Mar', de Mbate Pedro-, que na
metáfora futebolística de Amosse
Mucavele «tem um 11 inicial de luxo>>,
destacando Macvildo Pedro Bonde e
Álvaro Taruma.
É nesta geração de «grandes
poetas>> -nascida da revista Literatas


  • Revista de Literatura Moçambicana
    e Lusófona -que Amosse Mucavele
    se reconhece, embora nela não se
    inclua por ser «um pequeno poe-
    ta>>. «O nosso objetivo principal
    não era sermos escritores>>, garante.
    «Afirmamo- nos como leitores sem-
    pre. O ser escritor foi consequência>>.
    Com a revista, pretendiam «Criar um
    espaço, uma ponte invisivel de debate
    intercultural>> no quadro da lusofonia
    e foi a partir desse desígnio que entra-
    ram contacto com escritores de outros
    países africanos de língua portuguesa
    e restabeleceram ligações do período
    pós- independências que se tinham
    perdido.


A GUERRA
Mas o que interessa a esta geração
são «os novos valores destes países>>,

naufrágios e conflitos; e (10) Dos
livros e cartas: a jornada oceânica
da filosofia para a América.
Enquadrando o debate académi-
co, a convocatória do congresso diz
que «OS processos de descoberta e
conquista da América significaram
complexos ajustamentos e imposi-
ções epistemológicos relacionados
tanto' com a ampliação do mundo
(tal como concebido até então pelo
Ocidente) como pelo confronto com
as várias culturas ameríndias>>.
«O discurso colombiano fixou
as primeiras linhas de um imagi-
nário ocidental que 'inventou' e
(en) cobriu a América, projetando
sobre o Novo Mundo os medos e os
desejos, as utopias e as distopias do
Velho. A afirmação perentória de
Américo Vespúcio sobre um mundo
desconhecido para os antigos não
significou o abandono desse ima-
ginário, que continuou a crescer
e a transformar-se nas sucessivas
viagens, explorações e conquistas.>>
Um dos imaginários existentes
entre os europeus em relação ao
Novo Mundo era de que a América,
segundo Mancilla (2013), se esten-
dia 'indefinidamente para o sul'. No
entanto, em 1520, com a expedição
ao Estreito de Magalhães, essa tese
foi invalidada, pois essa incursão
mostrou que este corredor aquático
ligava o Atlântico ao Pacífico. A
grande conquista do navegador
português que deu nome ao estreito
criou novas perspetivas de nave-
gação, de relatos, de experiências e
de novos imaginários sobre o Novo
Mundo.>>

embora tenham os clássicos como
«leitura de cabeceira>>. Mucavele
critica aqueles que ficaram presos em
determinadas temáticas, nomeada-
mente daqueles que ficaram retidos
nos temas da resistência e da luta
pela liberdade. Como escritor, diz,
«precisa de mais criatividade>>, para
não ser mais um «cidadão que anda
a dizer que quer ser livre>>. «O poeta
não precisa disso>>. «Precisa de cons-
truir vários mundos para que o leitor
consiga encontrar uma tonalidade do
seu mundo, ou a porta da sua casa>>.
É essa a tónica desta nova geração de
<<grandes poetas moçambicanos>~.
Já anteriormente dissera que que
<<a edição literária moçambicana
divide-se em quatro 'juntas de fre-
guesia', isto é, a memória, a guerra,
o mar e o amor>>. Ele reconhece- se
nas temáticas do mar e na cidade.
<<Tenho as minhas bases, como o
Rui Knopfli, o Patraquim, o Eduardo
White, o Guita Júnior, o Sangare
Okapi, vou seguindo este palimp-
sesto literário>>. Mas <<há temáticas
que são universais>> e pelas quais
<<todo o escritor moçambicano que
se preze deve passar>>. A principal


  • enuncia - é a guerra, tratada por
    Mia Couto relativamente ao sul de
    · Moçambique, por João Paulo Borges
    Coelho em Tete (centro- oeste), por
    Ungulani Ba Ka Khosa quando usa a
    figuradeGungunhanaparacriticar
    Samora Machel e Pauliza Chiziane na
    Zambézia (centro- leste).

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