Jornal de Letras, Artes e Ideias

(claudioch) #1

dL / 19 de junho a 2 de julho de 2019 • jornaldeletras.pt


educação· 5


Jorge l~j_o c:a.rdoso


Que 'nova Escola para Portugal'?


"Uma Escola que use menos as disciplinas isoladamente e proponha mais trabalhos numa lógica


de projeto, em que a interdisciplinaridade seja a tónica dominante" é uma das ideias defendidas
pelo autor do livro Uma nova Escola para Portugal, agora editado pela Guerra & Paz, e que nesta

entrevista expõe os seus pontos de vista e o que entende necessário para atingir tal objetivo


C Doutorado em Ciências Sociais pela
Universidade de Aveiro e prof. do
Instituto Superior de Ciências Sociais
e Políticas (ISCSP) da Universidade de
Usboa, Jorge Rio Cardoso tem diversas
obras sobre educação e ensino, e uma
atividade intensa neste domínio. É au-
tor, designadamente, do que considera
ser um inovador método de estudo,
SerBomAlww-'Borolá'?, propiciador
de melhorias de resultados na ordem
dos 30%. no combate ao insucesso
escolar. Agora, publicou o livro Uma
nova Escola paro Portugal, segundo
se lê na contracapa "depois de visitar
inúmeras escolas e de entrevistar di-
versos professores e personalidades da
educação, da cultura e da politica -de
Adriano Moreira a António Nóvoa ou
Marcelo Rebelo de Sousa".

JL/Educação: O que está a falhar na
Escola atual?
Jorge Rio Cardoso: A escola falha,
desde logo, porque não põe enfase
no aluno e nas suas necessidades ou,
tão pouco, nas formas como melhor
poderá aprender. Prevalece ainda o
modelo expositivo em que o profes-
sor expõe o conhecimento e o aluno
asSume um papel demasiado passivo
e pouco - ou mesmo nada-inter-
veniente. Uma outra crítica reside
no facto da escola ensinar todos da
mesma forma, não respeitando a
individualidade de cada um. Nesta
lógica é o aluno que tem de se adaptar
ao tipo de ensino. Por outro lado, o
ensino tem pouca ligação à prática e
ao mundo real, preocupa-se, talvez
demasiado, com os aspetos cognitivos
e deixa pouca margem para trabalhar
os aspetos emocionais e sociais.

É um ensino muito baseado na me-
morização?
Sim, na memorização do conhe-
cimento, algum dele de utilidade
futura muito duvidosa. Ora, será que
queremos um aluno que se limite a
reproduzir conhecimento ou, antes,
um aluno que saiba utilizar, com
sentido crítico, mas também criativo,
esse conhecimento? Julgo que a
Escola deverá ter por grande desígnio
formar os cidadãos do amanhã e
oferecer uma educação que estimule
a curiosidade, o gosto pela aprendiza-
gem ao longo da vida e não tanto para
o dia do exame.
Quem é o aluno de hoje, como se mo-
tiva e de que competências precisa?
Os jovens de hoje, em face dos múlti-

pios estímulos, têm alguma dificul-
dade em prestar atenção a exposições
orais muito demoradas e demonstram
até alguma impaciência. Todavia, o
aluno estar calado, não significa, ao
contrário do que acontecia há umas
décadas, que esteja atento. O tipo de
atenção hoje é diferente. Os psicólo-
gos falam mima atenção fragmenta-
da, ou seja, o tempd de atenção é ago-
ra menor e a escola, a pedagogia, tem
de lidar com este dado novo. Aulas
expositivas? Sem interação? Em que o
aluno se limita a ouvir? Não, pois para
a maior parte da turma as aprendiza-
gens não vão ser conseguidas.

E então, que fazer?
Atualmente o aluno só investe no
estudo quando percebe, com clareza,
os benefícios que dai advirão. A velha
ideia da escola em que se dá matéria
sem ter de explicar o.seu propósito é
desapropriada. E uma competência
importante tem a v:er com a aplicação
prática daquilo que .se aprende. Será
que os alunos, com o conhecimento
que detêm, conseguem resolver pro-
blemas práticos do dia-a-dia? Assim,
a ideia de procurar resolver proble-
mas passará a ser outra das metas da
nova escola.

Mas os alunos não são todos iguais ...
Pois não. E embora hajavárias classi-
ficações possíveis para destrinçar as
suas características, uma delas poderá
ser a de os dividir em quatro grandes
grupos: 1) os "visuais", que aprendem
melhor quando veem, aqueles a quem
os mapas mentais, conceptuais ou
mesmo diagramas ou esquemas aju-
dam na compreensão; 2) os "leitores",
que conseguem-interiorizar as apren-
dizagens a ler e a escrever, preferindo
apreender através de textos, artigos,
manuais, relatórios ou ensaios; 3)
os "cinestéticos", que valorizam as -

''


A Escola deve ter como
grande desígnio formar
cidadãos de oferecer
uma educação que
estimule o gosto pela
aprendizagem ao longo
da vida e não tanto para
o dia do exame

Jorge Rio Cardoso "Uma Escola que eduque os Jovens para o seu futuro e não para
o passado ou presente"

experiências nas quais prevalecem as
atividades físicas, ao invés da postura
física passiva, aprendendo melhor ao
fazerem ou vivenciarem determinada
experiência ou tarefa. Em geral são
jovens com grande energia, por vezes
até alguma impaciência em face de
atividades mais paradas, como ler
ou ouvir: é um erro chamar-lhes
hiperativos, quando, na verdade,
nem sempre, clinicamente, é o caso;
4) e, finalmente, os "auditivos", que
preferem ouvir e falar., e para os quais
um podcasts, um grupo de discussão,
um áudio, um discurso ou mesmo
um vídeo são excelentes formas de
aprender.

Quais as melhores estratégias para
uma nova aprendizagem?
Há um passo prévio que passa por
definir o método pedagógico que
se deve utilizar. Não nos podemos
esquecer que o objetivo último da
aprendizagem é fazer com que os alu-
nosaprendam,deformaconsequen-
te, os conteúdos. Como é evidente, a
escola e o professor podem mudar de
método consoante os assuntos que
estejam a ser trabalhados. Assim,
haverá partes do program:i em que se
justificará mais uma aula expositiva e
noutras em que a tónica poderá ser,
por exemplo, uma aula mais à base de
demonstrações. Em termos concep-
tuais, teremos o tradicional método
expositivo, que deverá ser usado
como último recurso. O método

demonstrativo em que o professor
irá demonstrar um conhecimento.
E o método interrogativo, em que o
professor irá formular perguntas no
sentido de fazer progredir a adqui-
sição de conhecimentos. Em_geral,
esta técnica é complementar das duas
anteriores. A ideia principal é haver
interação com a turma, fazendo com
que a mesma se sinta mais motivada.

Fala dos contributos das neurociên-
cias e da neuroPedagogia para a nova
escola. Pode concretizar?
As neurociências vieram-nos trazer
um resultado que é importante ter
em conta: o potencial criativo é muito
maior na infância. Os neurologistas
dizem que as ondas cerebrais das
crianças são mais ricas do que as
dos adultoa. Assim, se a criatividade
não for trabalhada e estimulada na
infância, será menor na idade adulta.
Os processos de criação, de estimu-
lo da imaginação deverão, pois, ser
trabalhados e estimulados na Escola.
Devendo a nova Escola incorporar os
ensinamentos da neurodidática, que
sugere a utilização de mais imagens,
vídeos, gráficos, trabalhos em grupo,
participação dos alunos em sala de
aula. Por outro lado, queremos um
ensino que não ignore as emoções e a
motivação dos alunos, pois estas são,
sem dúvida, o motor da aprendiza-
gem. Pedir para que o aluno venha
para a escola calmo e motivado e,
caso não venha, terá um problema,

parece desajustado aos tempos de
hoje.

Neste livro propõe uma nova organi-
zação dos espaços de aprendizagem.
Qual e como?.
Os espaços devem ter a flexibilidade
suficiente para poder acomodar as
diversas situações de aprendizagem,
para as tornar aliciantes e motivado-
ras. P:ira isto a liderança das escolas
deverá ser forte e atuante. Queremos
uma Escola democrática que apele e
fomente o diálogo e a participação de
todos, sendo ela própria um espaço de
cidadania. É neste contexto que se fala
da chamada "sala de aula do futuro",
com ambientes educativos aliciantes
e o uso da tecnologia que privilegiam
a ação do aluno, favorecendo a moti-
vação, a criatividade e o seu envol-
vimento na construção individual ou
coletiva do conhecimento.

Que tipo de práticas pedagógicas es-
tariam presentes nessa "nova Escola"?
Comecemos por definir o objetivo:
uma Escola em. que todos aprendem
com todos, mas, também, onde todos
ensinam, pois, cada vez mais, esta-
mos também a aprender a viver jun-
tos. A Escola deixará assim de ter por
objetivo formar - ou, pior que isso,
formatar - alunos "padronizados",
mas, antes, alunos únicos na medida
em que lhes permite explorar as suas
capacidades, dando-lhes a possibi-
lidade de se conhecerem melhor a
si próprios e criarem uma excelente
relação de empatia e respeito para
com os outros.

Em súttese, e em sua opinião, que
"nova Escola para Portugal"?
Uma Escola que use menos as disci-
plinas isoladamente, e que proponha
mais trabalhos numa lógica de projeto
em que a interdisciplinaridade seja a
tónica dominante. Uma escola ligada
à realidade. Queremos também uma
Escola que eduque os jovens para o
seu futuro e não para o nosso passado
ou presente. Que futuro será esse?
Não sabemos exatamente, mas valo-
res como a honestidade, a resiliência
ou a solidariedade estarão, com toda a
certeza, presentes.

) Jorge Rio
Cardoso
UMA NOVA
ESCOLA
PARA
PORTUGAL
Guerra & Paz, 176 pp.,
75,20euros
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