COMBO SAUDE - VOLUME 1

(O LIVREIRO) #1
Na pesquisa do Vigilantes do Peso. 47% dos en-
trevistados admitiram ser mais difícil manter a ali-
mentação equilibrada durante a quarentena justa-
mente porque acabam comendo qualquer coisa que
esteja disponível. Moita lembra que, se as gulosei-
mas dão sopa cm casa, é porque elas focam compra-
das. Portanto, o impacto emocional na dieta fica evi-
dente desde a ida ao supermercado. "Nesses dias,
durante as compras, tive a impressão de que faltava
leite condensado", exemplifica o nutricionista.
Não c coincidência. Ao investigar os hábitos de
mais de 5 mil consumidores. pesquisadores do Cen-
tro de Inteligência do Leite da Embrapa Gado de
Leite constataram que. depois do inicio da crise da
Cos id-19.14% das famílias aumentaram o consumo
desse ingrediente obrigatório na recata de brigadei-
ro. A manteiga, outro item indispensável em sobre-

mesas. foi mais bu (^) da por 16% dos respondentes.
São dados que trazem ã tona o maior interesse por
alimentos associados ao prazer.
Aliás, essa c outra característica da fome emocio-
nal: há desejo por receitas consideradas superapeti-
tosas. Já reparou que ninguém fica fora dos eixos
diante de brócolis ou maçã? "Os alimentos mais pa-
latáveis, como os açucarados, elevam os níveis de
dopamina c serotonina. neurotransmissores que alu-
am nos sistemas de recompensa, prazer c bem-es-
tar”. ensina Ana. "Mas as sensações sào momentâ-
neas". acrescenta a professora.
Não ã toa. esse modo de comer, baseado na tenta-
tiva de lidar com os sentimentos, ocorre repetida-
mente c se toma mais associado a um descontrole
alimentar. Essa foi uma das conclusões de Lara em
sua pesquisa de mostrada A nutricionista ainda con-
seguiu identificar, por meio dc questionários, que as
fontes de carboidratos eram realmente as grandes
promotoras dc alivio emocional entre os voluntá-
rios. Vale lembrar que, dentro do corpo, esse nu-
triente é convertido em açúcar. "Para muitas pesso-
as. ele remete a conforto", interpreta. Ela própria
carrega essa memória. "Quando eu chorava, lembro
da minha mãe molhando a chupeta no açúcar", diz.
Enxergar na comida um atalho para a felicidade
está longe de ser um pecado, diga-se de passagem.
Para a nutricionista Sophic Deram, autora do livro O
Peso das Dietas (Editora Sextante), um prato gostoso
faz a gente se sentir vivo, alegre e seguro. "Não há
nenhum problema cm decidir preparar uma receita
aconchegante", tranquiliza. Ou até mesmo ligar na-
quele restaurante c pedir para entregar o seu prato
favorito. O sinal dc alerta deve acender, porém,
quando esses episódios deixam de ser conscientes e
planejados. Ê a urgência que fala mais alto. "Ai te-
mos o comer transtornado", crava Sophie.
I lá outras pistas para descobrir se. mais do que
fonte de prazer, os alimentos viraram uma muleta
emocional. Dc acordo com a nutricionista Marcela
Kotait. coordenadora da equipe de nutrição do Am-
bulatório dc Anorexia Nervosa do Programa de
Transtornos Alimentares (Ambulim) do Hospital
das Clinicas de Sào Pauk). a maneira de comer entre-
ga muita coisa. "Ela ocorre com mais voracidade,
com menos mastigação e não há escolha especifica
de alimentos nem programação", lista. Ou seja, mui-
to diferente daquela vontade genuína que faz a gente
resolver que o almoço do próximo domingo será
uma bela feijoada. "Alem disso, normalmcnte há
consumo de uma grande quantidade de alimentos,
sem oportunidade de sentir o gosto e apreciá-los",
observa Ana. E o pior: ao fim da comilança, a sensa-
ção de culpa costuma emergir.
Rota desgovernada
Na visào de Sophie. há um grupo mais suscetível a
perder a linha neste momento. "São as pessoas que
sempre travaram uma briga com a comida", aponta.
A nutricionista informa que viver de restrições mexe
com o cérebro, que acaba desencadeando mais ape-
tite ainda. Agora, com fortes emoções e o acesso fá-
cil a guloseimas, cresce a probabilidade de uma au-
tolibcraçâo seguida dc descontrole. “É como se a
comida virasse a coisa mais importante no ranking
da recompensa", analisa.
Quem segue a mesma linha de raciocínio ê Mar-
cela: "Comportamentos restritivos elevam o risco de
episódios dc compulsão". Na contramão, pessoas
que tinham uma relação saudável com os alimentos,
no sentido de entender o que as motivava a comer,
tendem a passar menos apuros cm um período tur-
bulento como este. "Esses indivíduos construiram
um vinculo mais profundo com a comida", explica a
nutricionista do Ambulim. Outro traço perceptível
nessa turma que nào cai dc boca nos beliscos é uma
maior autonomia. Afinal, não há uma visão padroni-
zada de dieta. "Quando você entende que pode co-
mer dc tudo, isso naturalmcnte acontece de forma
mais equilibrada", interpreta a especialista.
Mas Marcela reconhece que. em um contexto tão
peculiar quanto o atual, outros perfis (não só quem
vivia focado na dieta rigida) se tomam mais propen-
sos ao abuso alimentar. De novo: na hora de ver um
filme, ninguém precisa abdicar da pizza c da taça dc
vinho. Está tudo bem se permitir gostosuras e até
exagerar vez ou outra. O que preocupa c a frequên-
cia c a intensidade com que as refeições volumosas
acontecem, servindo de tapa-buraco emocional. "A
comida não pode virar protagonista da quarentena",
resume a expert do Ambulim. ®

VÍJA SAUOt lUMHO20J0

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