COMBO SAUDE - VOLUME 1

(O LIVREIRO) #1

Coronavírus à solta,


ansiedade a mil, overdose


de telas e falta de rotina


têm acabado em noites


maldormidas. Como


quebrar esse círculo


vicioso que demole a saúde


fexlo ANDRE BIERNATH design LETKIA RAPOSO
folos TOMAS ARTHUZZI ilusfroçòes THIAGO ALMEIDA

dos brasileiros
o*egam poro

no sono desde que a


pandemia começou F^


o nascer, a Bela Adormecida foi alvo


de uma maldição terrível. Uma fada


invejosa disse que, quando fizesse 15


anos, a princesa sofreria um corte no


e. na sequência, dormiria sem


interrupção durante o século seguinte. E assim foi:


“Ela se espetou, caindo imediatamente num sono


profundo (...) E então tudo começou a adormecer: os


cavalos no estábulo, as pombas no telhado, os cães


no pátio, as moscas nas paredes...”, escrevem os


irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, numa versão da


história datada de 1812. A praga sobre o reino só se


desfez graças ao beijo que um príncipe deu na


garota. Bastou esse alo para que lodos ao redor do


castelo acordassem e, como dizem os contos,


vivessem felizes para sempre.


Curiosamente, vivemos em um mundo que é exa-


lamenle o oposto ao da Bela Adormecida. Na vida


real de 2020. ninguém está conseguindo pregar os


olhos. A causa, porém, é outra: quem nos assombra é


um vilão de verdade, mas microscópico. O coronaví-
rus que brotou na China no final de 2019 provoca a

maior crise de saúde pública das últimas décadas,


com milhões de casos e centenas de milhares de mor-


tes. E» entre o medo do imponderável e tantas mudan-


ças impostas à sociedade, a pandemia fez nosso sono


ir para o brejo. Não sou só eu nem você ou nossos


conhecidos que notamos isso. A ciência já percebeu.


Mas sejamos honestos: nossas noites já não iam


tão bem antes de a Covid-19 virar pesadelo global. As
estatísticas mostravam que ao menos um terço da po-

pulação da capital paulista, por exemplo, não dormia


adequadamente desde alguns anos atrás. No entanto,


a situação se acentuou e ganhou tons dramáticos a


partir de março de 2020. É o que comprova um novo


levantamento do Instituto do Sono, em São Paulo, que


colheu informações de 1758 participantes. Os resulta-


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dos. divulgados em primeira mão por VEJA SAÚDE,


revelam que 55,6% dos respondenles alegaram piora


na qualidade do sono ao longo desses meses de qua-


rentena (92% fizeram isolamento social por algum


período). “Quando perguntamos os motivos, as res-


postas comuns foram o falo de ficar mais tempo em


casa, uso excessivo de telas de computadores ou celu-


lares e as preocupações com toda a situação", conlex-


lualiza a psicobióloga Monica Andersen, diretora do
instituto e uma das coordenadoras do projeto. Surpre-

endentemente. 8.9% dos participantes consideram


que o descanso noturno melhorou depois que o coro-


navírus virou manchete. Entre as razões, destacam-se


a rotina flexibilizada e a possibilidade de acordar um


pouco mais tarde. Em toda regra há exceções.


Essa não é a única pesquisa a apontar tal tendên-


cia no país. A pedido da farmacêutica Takeda, o Ins-


tituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística


(Ibope) entrevistou 2 635 brasileiros entre os dias 16
e 30 de março. Utilizando o índice de Pittsburgh,

uma ferramenta validada cientiflcamente para ava-


liar o descanso noturno, a conclusão foi que 65%


dos participantes apresentavam uma qualidade de


sono comprometida. O problema se agravava entre


as mulheres: 71% delas não estavam conseguindo se


recompor como gostariam. “Vale destacar que os


dados foram colhidos em março, quando a pande-


mia estava começando a evoluir no país, e as pessoas
eram contaminadas por uma sensação de medo",

observa o cardiologista Luciano Drager, vice-presi-


dente da Associação Brasileira de Medicina do Sono.


As crianças parecem ser um grupo particular-


mente afetado por esse caminhão de mudanças


provocadas pela Covid-19. “Se compararmos os


dados da população infantil, vemos que ocorreu


um aumento muito grande nas alterações de sono",


relata a neurologista Magda Lahorgue Nunes, vice-
diretora do Instituto do Cérebro da Pontifícia Uni-

versidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-



  • RS). Numa pesquisa conduzida pela médica em


2017, cerca de 25% das crianças apresentavam difi-


culdades para adormecer. Essa porcentagem prati-


camente dobrou nesses meses de 2020. “A perda da


VÍJA SAUDE AGOSTO 2020 I 25
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