COMBO SAUDE - VOLUME 1

(O LIVREIRO) #1

A CIÊNCIA (^)
Os caldos quentes não só nutrem e
reconfortam. Com alguns truques e os
ingredientes certos, dá pra criar receitas
que blindam o organismo
fexto REGINA CÉLIA PEREIRA design LETÍCIA RAPOSO fotos TOMAS ARTHUZZI


F


|)i em uma conversa na cozinha, entre os


preparativos para a celebração do Ano-



  • Novo judaico, que o professor de medicina


Stephen Rennard, da Universidade de


Nebraska, nos Estados Unidos, teve a ideia


ado ao saborear o conteúdo da tigela fumegante, em


geral na companhia da família.
Em artigo publicado na mesma revista científica.

intitulado Sopa de Galinha em Tempos de Covid-19,
Rennard destaca exatamente esse aspecto: “Feita em

de investigar os efeitos da canja de galinha. Sua (^) um processo demorado e amoroso, a receita pode
esposa. Barbara, seguia os passos da receita da avó e (^) fornecer verdadeiro apoio psicossocial". Ele não dei-
recitava os apregoados benefícios do prato contra
resfriados. Na panela, além da ave, borbulhavam
cebola, batata-doce, cenoura, aipo, folhas de nabo e
temperos. A fama dessa sopa é antiga e transpõe
culturas. Curandeiros no século 12 já prescreviam
aos doentes caldos de frango — que, muito tempo
depois, foram até apelidados de penicilina, em
referência ao primeiro dos antibióticos.
No laboratório especializado cm doenças pulmo-
canja à prova. E viram no microscópio, em experinares do doutor Renard, ele e sua equipe botaram a -
mentos com células, que o preparo e seus nutrientes
conseguiram inibir os neutrófilos, um grupo celular
do nosso sistema imune que fica nas alturas diante de
uma infecção. Ao abrandá-los, a tendência é contro-
lar a inflamação e atenuar sintomas como a moleza e
a dor no corpo. “Mas não testamos tudo isso em pes-
soas”. adianta-se o pesquisador, cujos achados foram
publicados no reputado periódico Chest. Ainda as-
sim, é como se a sabedoria das avós começasse a ga-
nhar a chancela da ciência.
Já se sabia que uma boa canja oferece uma porção
de substâncias bem-vindas à imunidade, caso de pro-
teínas. vitaminas, minerais e antioxidantes. Mas tem
um ingrediente extra que pode até ser difícil de men-
surar nos estudos: o bem-estar emocional desencade-
xa de sublinhar a necessidade de pesquisas rigorosas
para comprovar os efeitos de qualquer solução desti-
nada a melhorar a saúde ou nos defender durante a
pandemia. A propósito, o professor argumenta que.
sozinha, nenhuma sopa previne ou cura o problema.
Mas. continua, “ê importante reconhecer que o cui-
dado com doentes envolve mais do que remédios”.
Sim, ele fala de carinho e interação social.
“Um prato de sopa traz conforto emocional, de-
sencadeia sensações de prazer, de satisfação e de se-
gurança", concorda o nutricionista João Motarelli, da
Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo
(Socesp). Consumir um caldo que traga lembranças
gostosas e alívio em meio à rotina ou a uma indispo-
sição faz bem ao corpo e à mente — e não são poucas
as evidências conectando o estado psicológico à imu-
nidade e à propensão a diversas encrencas.
Uma típica canja traz arroz em sua fórmula e tem
origem asiática. Há relatos de que surgiu na índia e se
resumia à mistura do cereal com água. Outros apon-
tam para a China. Veio parar aqui com os portugueses
e virou sucesso. Contam que dom Pedro II era um
grande apreciador e que, por sua influência, a receita
passou a figurar em menus finos com o nome de
“Sopa do Imperador” ou “Canja à la Brésilienne”. Mas
nem só de canja forramos a barriga e a alma. ©
VEJA SAUDE AGOSTO 2020

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