45% dos pacientes sentem que
o tratamento impacta a rotina
da casa e 82% dos familiares
acreditam que o diabetes
reflete no dia a dia dos lares
O
Não medir a glicose nem usar a insulina como
manda o figurino é um prato cheio para um tormen-
to na vida de quem tem diabetes (e seus familiares):
as hipoglicemias. Elas aparecem quando a glicose
fica abaixo de 70 mg/dl e, embora nem sempre deem
sintomas, costumam se manifestar com suor frio,
tremores, sensação de mal-estar e até perda de cons-
ciência. Na pesquisa “Os Altos e Baixos do Diabetes
na Família Brasileira”, quatro em cada dez pacientes
relatam ter episódios pelo menos uma vez por sema-
na. “O que complica ainda mais é que muitas pesso-
as dizem passar por isso quando estão trabalhando,
se exercitando ou dirigindo” aponta Couri.
“Embora não tenhamos de medir esforços para
evitar a hipoglicemia, é muito difícil que ela não apa-
reça quando saímos da rotina”, avalia Vanessa Piro-
lo, coordenadora de advocacy da Associação de Dia-
betes Juvenil (ADJ). A jornalista e ativista fala com a
experiência e a propriedade de quem convive com o
diabetes tipo 1 e o uso de insulina há duas décadas,
desde os 18 anos. Para manter a doença sob rédeas
curtas e minimizar o risco de hipo, ela mede a glico-
se no mínimo sele vezes ao dia e fica esperta a qual-
quer mudança no cotidiano. “Se cu pedir pizza em
um local diferente do habitual, preciso me ajustar e
permanecer mais atenta”, exemplifica. Vanessa vê
com aflição o achado do estudo de que mais de 20%
dos pacientes só consideram uma hipo quando o
açúcar despenca para menos de 54 mg/dl: “Isso
mostra que algumas pessoas não sabem que decisão
tomar com o valor da glicose”.
Os episódios de hipoglicemia no escritório, na
academia e até no trânsito também nos remetem à
•II
necessidade de preparar melhor o circulo social
para que as pessoas saibam identificar um episódio
do tipo. Segundo os participantes, há muito a ser
feito nesse sentido. Os próprios familiares reconhe-
cem que necessitam ser mais bem treinados: meta-
de diz não estar totalmente apta a lidar com uma
crise. Diante de uma hipo, os especialistas sugerem
dar ao paciente uma fonte de glicose quanto antes,
de preferência o sachê de açúcar líquido. “É funda-
mental que o paciente saia de casa munido disso e
da carteirinha de identificação de que tem diabetes,
pontos que deixaram a desejar cm nossa pesquisa",
nota o pesquisador da USR
Convenhamos que não é fácil aderir a tantas re-
comendações no dia a dia, mas as vantagens para a
saúde mostram que vale a pena o investimento. No
entanto, para que as pessoas com diabetes enten-
dam como se cuidar e saibam lidar com as individu-
alidades no tratamento, a orientação médica tam-
bém é decisiva. E aí o bicho pega! Mais da metade
dos pacientes diz não ler um canal de comunicação
com o médico além das consultas presenciais —
como c que ele vai ter certeza do reajuste da dose de
insulina sem falar com o doutor? E 36% afirmam
que a primeira consulta não foi satisfatória em rela-
ção às explicações sobre a aplicação do hormônio.
“Uma consulta detalhada e o contato com o mé-
dico fazem diferença no controle da doença, mas
sabemos que nem lodo brasileiro tem acesso a
isso”, analisa o coordenador do Endodebale. Va-
nessa lembra que, no SUS. dificilmente o paciente
lerá mais de 15 minutos com o profissional e sairá
com seu número de celular. “Precisamos educar
paciente c médico c investir em uma abordagem
multidisciplinar”. defende a representante da ADJ,
que batalha para ampliar o acesso dos pacientes a
informação e medicamentos.
Nesse contexto, a família é capaz de ajudar. A
pesquisa sugere que, da mesma forma que ela é im-
pactada pela doença e seu tratamento, pais, filhos e
esposos participam da rotina de cuidados e podem^
auxiliar a criar um ambiente propicio a bons hábitos
e adesão às prescrições médicas. “Eu brinco que. se
há um paciente com diabetes em casa, a família tem
de virar diabética. Isso significa que eia deve atuar
não só na aceitação e na realização do tratamento
mas também na adoção de comportamentos saudá-
veis”, argumenta Couri. “Fazer exercícios, dormir
direito e comer de forma equilibrada valem tanto
para quem tem como para quem não tem diabetes.”
O abraço da família e o empoderamento do pa-
ciente contam (^) ■^ ntos até quando o dia a dia vira de^
cabeça pra baixo, como na pandemia do coronavi-
rus. “O estresse da quarentena me fez atacar a des-
pensa c comer mais. Para dar conta da glicose, tive
de aumentar a insulina. Com mais insulina, fiquei
com mais fome, ganhei peso e tive hiperglicemia.
Mas retomei o controle sobre a rotina, a alimentação
e a atividade física, e as coisas melhoraram” com-
partilha Vanessa. Ora, o (aulo)conhecimento tam-
bém faz parle da receita de sucesso contra o diabe-
tes. Hoje e lá na frente. •
54 VEJA SAUDE AGOSTO 2020