COMBO SAUDE - VOLUME 1

(O LIVREIRO) #1

F


QBm em casa.” A mensagem, reforçada à
exaustão pela Organização Mundial da
Wide (OMS) durante a escalada do coro-
navírus, ecoou em nossos ouvidos e nos
quatro cantos do planeta. Embora o isola-

mento social não tenha pegado 100% por aqui, boa


parcela da população acabou permanecendo muito


mais tempo dentro do próprio lar. Afinal, no inicio


da crise, empresas estimularam o trabalho remoto


e academias, bares, restaurantes, shoppings e ou-


tros estabelecimentos fecharam as portas. “No fim,


a pandemia colocou as pessoas em contato consigo


mesmas”, reflete a nutricionista Cynthia Antonac-


cio, idealizadora do Instituto Nutrição Comporta-


mental, cm São Paulo. Nessa viagem interna, hábi-


tos foram repensados e novas atitudes


despontaram. E a cozinha se destacou como um


dos grandes palcos de transformações.


A nutricionista Sophie Deram, doutora pela


Universidade de São Paulo (USP), enxerga o esbo-


ço de uma nova relação com a alimentação e suas


repercussões no corpo: “Muita gente passou a va-


lorizar outras questões alem de peso, peso e peso”.


O reconhecimento da importância de um organis-


mo fortalecido frente à Covid-19 é, em parte, res-


ponsável por esse movimento, sugere uma pesqui-


sa do aplicativo Dietbox, cuja base de dados reúne


mais de 170 mil nutricionistas e 2,5 milhões de pa-


cientes. Quando os usuários elencaram as princi-


pais apreensões no isolamento social, engordar


surgiu em primeiro lugar, mas, logo em seguida,


apareceu a melhora da imunidade. O levantamento


Global Consumcr Insights Survey 2020, da PwC,


também traz indícios disso: após a disseminação


do vírus, 63% dos 4 447 entrevistados disseram es-


tar mais focados em cuidar da rotina alimentar.


“Houve a percepção de que a imunidade sai ga-


nhando quando se está bem nutrido”, analisa So-


phie. Cynthia considera esse entendimento de que a


alimentação vai além de emagrecer ou engordar ex-


tremamente valioso. “Ele incentiva o maior interesse


na qualidade do comer”, interpreta. Mas a especia-


lista levanta uma ponderação: “É preciso ter cuidado


para não desenvolver uma visão reducionista, en-


xergando os alimentos somente do ponto de vista


dos nutrientes e seus efeitos no organismo”.


Os achados da Dietbox ainda evidenciam uma


preocupação com a necessidade de cozinhar. “Com


os restaurantes fechados, foi inevitável colocar a


ingrediente, tornou o momento das refeições mais
consciente e importante. “Antes, era só ir até o bufe
por quilo e se servir”, lembra Júlia.
“Alguns de meus clientes não tinham nem fogão
ou forno decentes”, repara a nutricionista Mareia
Daskal, de São Paulo. Entusiasta da chamada nutri-
ção amorosa, a profissional anda encantada com esse
novo olhar para a comida: “Havia muito tempo não
víamos algo assim”, afirma. “E é um processo que
está acontecendo com pessoas de idades diferentes.
Elas estão se permitindo comer de outras formas”,
acrescenta. No início da pandemia, ficou difícil até
achar farinha c fermento, de tanta gente que resolveu
preparar o próprio pão do zero. “Nunca se comparti-
lhou um volume tão grande de receitas. O que era um
movimento de poucos ganhou escala. E acho que
isso não vai mudar”, avalia Cynthia. “Aprendemos
muito sobre o nosso potencial produtivo”, raciocina.
É claro que nem todo mundo seguiu na mesma
direção. Sentimentos como ansiedade, medo e an-
gústia se tornaram mais presentes. Some isso à im-
possibilidade de participar de situações lúdicas,
viagens e festas e, por outro lado, ao acesso livre a
guloseimas dentro de casa... “A alimentação ga-
nhou uma dimensão maior em nossa rotina”, acre-
dita Cynthia. Recorrer à comida para se dar um
pouco de prazer, ainda mais nesse contexto, não é
fatalmente um problema. Segundo a coautora de
Mindful Eating — Comer com Atenção Plena (Edi-
tora Abril), a encrenca começa quando essa ativi-
dade vira uma saída para suprir demandas emocio-
nais e tamponar a tristeza, a raiva e o tédio. É o que
se batizou de comer emocional. “Ele é desatento,
compulsivo e, em geral, rápido. Os alimentos bus-
cados são aqueles considerados proibidos cm ou-
tras ocasiões”, caracteriza.
Muito desse descontrole tem a ver com uma rela-
ção destrambelhada com a alimentação cultivada
por anos. “O Brasil está na quarta geração de dietas
restritivas”, calcula Sophie. Em 2014, ela escreveu o
livro O Peso das Dietas (Editora Sensus), sobre a fu-
rada desses métodos, e, de lá pra cá, acha que a his-
tória só piorou. “As dietas se tornaram mais loucas.
Como as pessoas não emagrecem, buscam outras
estratégias estressantes”, interpreta. Para Sophie,
este é o momento de voltarmos ao básico, compre-
endendo, por exemplo, que a imunidade não sairá
fortalecida por causa de um alimento, c sim devido
ao estilo de vida. “A alimentação deve ser mais sim-

VEJA SAÚDE SETEMBRO 2020 25
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