COMBO SAUDE - VOLUME 1

(O LIVREIRO) #1

Da sala de emergência ao


centro cirúrgico, passando por


consultas a distância, robôs


e plataformas inteligentes já


fazem parte da rotina do novo


ecossistema da saúde


texto ANDRÉ BERNARDO design EDUARDO PIGNATA
ilustrações FELIPE MAYERLE


H


á dez anos, a vida do arquiteto de
sistemas Jacson Fressatto virou de
cabeça para baixo. No dia 30 de maio
de 2010, ele recebeu uma notícia
absolutamente terrível: a morte da
pequena Laura, vitima de sepse. Prematura, sua
filha não resistiu depois de 18 dias internada na UTI
neonatal de um hospital de Curitiba. A primeira
reação de Fressatto foi de revolta. Queria porque
queria saber o nome do filho da mãe que havia
deixado sua filha morrer. Passada a raiva, tomou
outra decisão: se dependesse dele, ninguém mais
sentiria a dor que estava sentindo naquele momento.
Foi quando vendeu tudo o que tinha (carro,
moto e apartamento) e, em 2014, investiu 1,5 mi-
lhão de reais do próprio bolso para criar algo pio-
neiro no planeta: a primeira plataforma de inteli-
gência artificial capaz de gerenciar riscos dentro de
um hospital. Em homenagem à filha, batizou o
“robô” de Laura. “Eu mesmo banquei todas as des-
pesas operacionais do projeto, com a certeza de
que estava no caminho certo. Hoje a gente vê como
tudo valeu a pena e quanto pode fazer mais”, diz o
fundador e presidente do Instituto Laura Fressatto.
Em seis anos, Laura já chegou a 32 hospitais e
ajudou a salvar mais de 24 mil vidas — cerca de dez
por dia. O programa de computador analisa, em
tempo real, os sinais vitais, o prontuário eletrônico e
os resultados de exames, entre outros dados, de to-
dos os pacientes de uma UTI e classifica o risco de
cada um deles em baixo, médio ou alto. Se o quadro
de uma pessoa internada apresenta piora, a equipe
médica é imediatamente acionada. Conclusão: Lau-
ra já reduziu em 25% a taxa de mortalidade por in-
fecção hospitalar nos estabelecimentos atendidos.
“Não saberia dizer se, caso uma tecnologia dessas
existisse na época, minha filha não teria morrido. Se-
ria leviano afirmar. Ela era uma prematura extrema.
Mas, ao menos, teria a certeza de que estaria rece-
bendo o melhor cuidado possível”, reflete Fressatto.

Laura é um dos melhores exemplos do que a inte-
ligência artificial, ou simplesmente IA, pode fazer
pela nossa saúde. Esse é um ramo da ciência da
computação que busca reproduzir aspectos do po-
der de aprendizado e resolução da mente humana
em máquinas. A meta é desenvolver robôs que, entre
outras façanhas, adquirem habilidades, tomam deci-
sões e resolvem problemas como se fossem um de
nós — tantas vezes, com uma velocidade e um grau
de acerto bem superiores. Quando falamos em ro-
bôs, não estamos nos referindo àqueles modelos an-
droides, típicos dos livros de Isaac Asimov (1920-
1992) ou dos filmes de Ridley Scott. Falamos de
programas de computador e algoritmos matemáti-
cos de última geração. “A partir de uma vasta base de
dados, você ensina um robô a solucionar um proble-
ma específico. E ele pode até observar detalhes que
um ser humano deixaria passar”, explica Marcus Fi-
gueredo, CEO da I Ii-Technologies, empresa que de-
senvolve dispositivos e sistemas de telemedicina.
Para o engenheiro da computação, duas das prin-
cipais aplicações da IA na saúde hoje são a interpre-
tação de exames e a apuração de interações perigosas
entre remédios. “No primeiro caso, o robô analisa o
exame e elabora um pré-diagnóstico para a vali-
dação do médico responsável pelo laudo. No segun-
do, ele tenta descobrir se, quando interagirem uns
com os outros, os medicamentos prescritos poderão
trazer riscos ao paciente”, destrincha.
A inteligência artificial também é útil na detecção
precoce de doenças e na predição de surtos, aponta o
cientista da computação Guilherme Kato, diretor de
TI do Dr. Consulta, startup que oferece atendimento
médico e exames em 59 unidades da Região Sudeste.
“Com base no histórico familiar, hábitos alimentares
e fatores de risco, podemos avaliar a probabilidade
de um paciente desenvolver certa doença no futuro.
Da mesma forma, conseguimos usar dados de con-
sultas e exames para prever um surto, ou até mesmo
uma epidemia, numa localidade”, esmiúça.
Na visão de Rico Malvar, cientista-chefe da Mi-
crosoft Research, o grande objetivo da IA é ajudar os
profissionais de saúde a serem mais produtivos e
efetivos. Segundo um estudo recente, que monitorou
o trabalho de 57 especialistas durante 430 horas, os
médicos ficam mais tempo cumprindo tarefas admi-
nistrativas do que atendendo pacientes. “Enquanto
os robôs se encarregam de trabalhos operacionais,
como preencher formulários, os profissionais conse-

IA, MUITO
PRAZER!

Máquinas que
aprendem com
os erros e tomam
decisões por conta
própria... Nada
disso seria possível
se não fosse Marvin
Lee Minsky (1927-
2016), o matemático
“pai" da inteligência
artificial (IA).
Ele criou em
1951 o primeiro
computador
inteligente
da história,
um aparelho
rudimentar que
conseguia executar
tarefas para as
quais não tinha
sido programado.
“A IA é capaz de
reconhecer um
problema, analisar
dados e, em fração
de segundos, propor
soluções. E isso sem
receber instruções
diretas de
humanos”, resume
o médico Luiz Carlos
Lobo, professor da
Universidade de
Brasília. “Minsky
enxergou o cérebro
como uma máquina
cujo funcionamento
pode ser estudado
e replicado em
um computador”,
divulgou o Instituto
de Tecnologia de
Massachusetts
(MIT), de onde
o cientista era

VEJA SAÚDE SETEMBRO 2020 55
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