EBOOK-TEMPO-DE-VOAR (1)

(MARINA MARINO) #1

Leôncio que ocupavam parte da manhã, sobrava tempo
para brincar. A tarde ficava para a feitura dos rosários de
contas de capiá, vendidos na igreja da capital. Ocupação
que relaxava. Bastava costurar com linha forte de carretel
e ter atenção na contagem das bolinhas. Cinco mistérios
com dez Ave-Marias, Glória e Pai Nosso em cada um.
Fechado o círculo do terço, o acabamento era feito com
as rezas: Creio em Deus Pai e Salve Rainha, e, como
enfeite final, uma cruz de contas. Tudo separado com nós
de três laçadas.


Zé Mudinho não fazia rosário. Não aprendeu a ler
nem a escrever e não sabia contar as ave-marias. Nesse
trabalho, ficava incumbido de colher as contas. Bastava
colocar o velho caldeirão vazio nas mãos dele, partia
numa corrida desvairada para as touceiras de capiá, lá na
baixada. Era bom no serviço. Voltava com o caldeirão
abarrotado de contas, material para muitos dias de
trabalho. E, enquanto os outros costuravam, passava o
tempo riscando a areia do terreiro com um pau. Fazia
traços que só ele entendia, e ficava feliz. Não sofria de
leseira, apenas o silêncio é que era muito. Alma boa. Não
havia olhar dirigido a ele que não fosse pago com sorriso.


Além disso, ficava para Jura o afazer de pescar.
Sempre na tardinha. Zé Mudinho ajudava a arrancar
minhocas, mas não ia com ele. Na mata, não podia ser
gago do ouvido. O sinal do perigo exigia todos os
sentidos.

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