EBOOK-TEMPO-DE-VOAR (1)

(MARINA MARINO) #1

Com caniço e isca, rumava para o igarapé. Soltava a
canoa até onde a corda, enlaçada na árvore, permitia.
Arremessava a linha para perto das folhas de jaçanã, e o
anzol iscado bailava na água serena. Dava para ver o
peixe abocanhando o chamarisco e tentando se
desvencilhar do enrosco, provocando marolas na água e
balançando as folhas redondas.


Em menos de hora, duas enormes fieiras de peixes
se formavam. Então, chegava a hora do gozo. Trazendo a
canoa para a margem, Jura tirava a camisa e mergulhava
no rio. Sentia-se rei, dava braçadas enérgicas, piruetas
acrobáticas. O corpo parecia feito só de carne, tamanho o
desembaraço. Quando emergia, só lhe enxergavam os
dentes mostrados em sonoras gargalhadas. Era o ópio. A
água cristalina a lavar a alma e o perfume das flores de
jaçanã desabrochando na entrada da noite.


Refrescado, tomava a direção de casa. Nas mãos, as
fieiras abarrotadas. Logo, logo, os peixes estariam
ticados e marinando nos temperos de dona Zefa. E,
naquela quase noite, o olhar para a mata fechada se
mostrava cravejado de mirabolantes luzeiros: a dança
dos pirilampos.


O tempo mudou tudo. Iranduba ficara pequena para
Jura e a maioridade exigia asas. Na cidade, corria a
notícia de que a construção da nova capital do país
recrutava trabalhadores de todos os cantos. E o
transporte era sem custo. Padre Leôncio reforçou o

Free download pdf