EBOOK-TEMPO-DE-VOAR (1)

(MARINA MARINO) #1

vez descobrir o infeliz do botão, mas desiste. Ajeita-se
como pode, na vertical. Afinal, sabe que não vai dormir.
Além do medo que esfria as tripas, a ânsia de chegar dá
comichão.


São Paulo era um desvario de tamanho. Abraçado à
mala, foi deixado na praça do centro. Final do dia, céu
encharcado de nuvens pretas. Gente de passo apressado,
gritaria de vendedor, buzinas estridentes, confusão
medonha. Ali, nem Zé Mudinho teria paz. Sorriu com a
lembrança do amigo. Saudade batia forte. Procurou uma
ponta de banco, precisava ajeitar as ideias. Sentado,
observava. E o movimento de gente, assim como a
aflição, foi serenando. Logo, poucas pessoas
continuavam na praça.


E apareceu Zuleica. Rapariga bonita que só vendo!
Novinha, apesar da roupa estranha e da maquiagem
exagerada, não mostrava acesume. Andava devagar,
gestos certeiros, sem ruído. Agora, os olhos... Ah! Os
olhos eram safados. Matreiros, incisivos, falavam mais
que a boca. Então, achegou-se, e o perfume da flor de
jaçanã anuviou os sentidos de Jura. Cheirava à flor, tal e
qual. Olhando a velha mala junto ao banco, Zuleica
percebeu que ali estava um forasteiro. Sentou-se ao lado,
bem perto, e falava baixinho. Falava bem perto do
cangote, os lábios quase encostados no ouvido, e
arrepiava. E as palavras eram bonitas. Não demorou
nada e Jura se achou esparramado na cama do hotel
onde Zuleica vivia. E ali ficou por dias, semanas. Até que

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