EBOOK-TEMPO-DE-VOAR (1)

(MARINA MARINO) #1

do hotel em Iranduba. De frente para a igreja, que não é a
mesma. Nem acredita. Sente vontade de andar, ver tudo,
mas não convém. É madrugada e o corpo precisa de
descanso. Clama por repouso.


Dorme profundamente. Acorda com sol alto. Nem
bem toma café, bota os pés na rua. Entra na igreja.
Modificada, moderna, mas os santos são os mesmos.
Junto ao altar, uma lápide com placa de mármore
trazendo escrito o nome de Padre Leôncio. Ajoelha-se.
Agora consegue proferir todas as rezas. Em silêncio, fala
com ele. Agradece a oportunidade da vida que lhe
proporcionou. Emociona-se. Depois, fica tempo sentado
no banco da frente. Sem pensar, sentindo.


Dá uma volta no quarteirão. A casa paroquial
imponente, nada parecida com a antiga, de muro alto e
grades vazadas, mostram o belo jardim. Não há mais o
orfanato. No lugar, um salão de festa imenso. Nada de
ruas de terra. Na baixada que segue até o rio, lá longe,
tudo é asfalto. Não há moitas de capim capiá, nem terra
para arrancar minhocas. É outra cidade, estranha.
Vagarosamente segue pelas ruas. Tenta associar algumas
construções às lembranças que guarda. Algumas vezes,
perde a noção de onde está. Muitos jardins, creches,
escolas, ônibus circulando por todos os lados. Crianças
brincam nos parques cobertos por arvoredos. Gente,
gente... Estranhos. Tão estranhos como a gente que via
nos parques de São Paulo. Afinal, carregamos em nós as
estranhezas.

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