Quatro Rodas - Edição 724 (2019-08)

(Antfer) #1

AGOSTO QUATRO RODAS 59
Lançado há 40 anos, o Cachacinha trouxe
soluções usadas até hoje por veículos flex
e agora repousa no Ministério da Fazenda
PRIMEIRO CARRO A ÁLCOOL
Comparado aos epítetos usados para se
referir à Fiat após sua estreia no Brasil, em
1976, o apelido Cachacinha dado ao 147 a
álcool era o mais simpático – e real, pois
o cheiro dos gases de escape realmente
lembram a bebida. Seu lançamento
completou 40 anos no último dia 5 de julho.
Mais do que o primeiro carro a álcool
brasileiro, o Fiat 147 foi o primeiro de
produção em série no mundo. Era a resposta
do país à crise do petróleo de 1973, quando
o preço do barril subiu mais de 400%.
Com a criação do Programa Nacional do
Álcool (Proálcool), em 1975, o governo
tinha o objetivo de estimular a produção de
álcool e passar a usá-lo tanto misturado
à gasolina como combustível puro.
Na Fiat, o desenvolvimento do 147 a
álcool começou logo após o lançamento do
modelo. Ainda em 1976, a Fiat exibiu no
Salão do Automóvel um dos primeiros
protótipos. O que seria aprendido dali em
diante viria de muitos quilômetros rodados
em testes. É mais difícil vaporizar o álcool,
que forma gotículas maiores e precisa ser
injetado em maior quantidade, por conta do
poder calorífico menor. O poder corrosivo
era outro entrave. O tanque, que era
revestido internamente com chumbo,
ganhou revestimento de estanho. Já os
componentes do motor receberam uma
camada de níquel químico, capaz de
proteger os metais da ação corrosiva.
Tudo isso ainda não evitava um
problema crônico: a partida a frio. A solução
de ter um tanquinho exclusivo para a
gasolina para dar partida no motor frio
ainda usada em alguns carros flex hoje.
Mas o acionamento não era automático:
era necessário apertar um botão no painel,
que acionava a bomba elétrica (a mesma
do lavador do para-brisa). Esta, por sua vez,
injetava gasolina no coletor de admissão.
Havia ainda a válvula Thermac, que leva
ar aquecido pelo coletor de escape para
dentro do motor na fase de aquecimento.
Assim, evitavam-se falhas nos primeiros
momentos. “Nós tinhamos lugares frios,
como Campos do Jordão, para testar os
carros. Mas, no fim, contratamos cabines
frigoríficas, pois eram muitas as experiências
a serem feitas e não dava para esperar de
manhã para ter 5°C”, conta Robson Cotta,
gerente de engenharia experimental da FCA
que trabalhou no projeto do 147 a álcool.
Quando pronto, o motor 1.3 a álcool
tinha taxa de compressão de 11,2:1 contra
7,5:1 da gasolina. A potência, porém, subiu
apenas 1 cv, de 61 para 62 cv, sendo 11,5
mkgf de torque contra 9,9 mkgf.
O primeiro 147 a álcool pertence ao
Ministério da Fazenda, onde foi usado por
mais de 30 anos e está tão original e bem
cuidado mesmo após mais de 80.000 km.
QUATRO RODAS teve a oportunidade de
dirigi-lo na pista de testes da fábrica da Fiat,
em Betim (MG), de onde ele saiu há 40 anos.
A experiência foi quase completa: o 147 não
pegou de primeira, mas não precisou de
injeção de gasolina. Foi só girar a chave mais
uma vez que o 1.3 Fiasa acordou sem falhar.
O cheiro quase inebriante de cachaça
logo ganhou a cabine, que é até bem
aproveitada para um carro de 3,62 m de
comprimento, 1,54 de largura e 2,22 de
entre-eixos. Interfere positivamente aí o fato
de também ter sido o primeiro nacional com
motor transversal. O cinto é abdominal, o
banco não tem encosto de cabeça, o volante
é claramente deslocado para a direita e só
há um retrovisor externo, do lado esquerdo.
Em compensação, os pedais deslocados
para a direita – como em parte dos Fiat de
hoje – facilitam a adaptação. Movimento a
alavanca, mas fica a dúvida se a primeira
engatou corretamente. O câmbio de quatro
marchas do 147 sempre foi muito criticado
pelos engates, mas desta vez a culpa era
da embreagem já alta pelo desgaste dos
anos. O motor 1.3 faz o 147 embalar rápido
e logo me pego a 80 km/h procurando a
quinta marcha, que não existe. As relações
de marcha são próximas entre si, o que
explica a agilidade do pequeno Fiat.
Embora seu 0 a 100 km/h deva ficar ao
redor dos 18 s, é um carro instigante. Me
aproximo da curva e a sensação do pedal
de freio deixa um pouco de medo. Há
discos na dianteira e tambores na traseira,
mas falta assistência: é preciso aplicar
força ao pedal até sentir o freio reagir.
Para um quarentão, até que ele para
bem. A suspensão independente nas quatro
rodas confere estabilidade e a direção sem
assistência é leve. Não poderia ser diferente:
são 790 kg com pneus 145/80 13. Tudo é
muito natural e sem filtro, dando uma boa
sensação de liberdade que os carros novos
não dão. E muito motor flex atual não tem
funcionamento tão suave com álcool como
esse 1.3 de 40 anos. (HENRIQUE RODRIGUEZ)
Andamos no pioneiro Fiat 147

Free download pdf