REVISTA VOO LIVRE Nº 14

(MARINA MARINO) #1
Palavras e Pontos por Regina Ruth

Cassiano, apesar de aflito,
encolhidosobascobertas,nãoresiste
aosonoedormeprofundamente.
Acorda sobressaltado com os
gritos da mãe. É uma sensação
horrorosa! O coração lhe bate na
goela, nem sabe para que lado da
cama descer as pernas... É
terrivelmenteassustador!
Numinstanteestá naportado
barraco. Os olhos, ofuscados pela
claridade do dia, teimam em não
parar abertos. A cabeça, ainda meio
atordoada,ficalerdaparapercebero
queestáacontecendo.Chegapertoda
escadae olhalá embaixo. Vê a mãe,
debruçada. Há muitas pessoas por
perto, maspercebe que tem alguém
deitadonochão.Derepente,lembra-
se da noite anterior, da demora do
pai...Desceasescadasfeitoumdoido,
aos trotes. Difícil abrir caminho por
entre as pessoas. Antes não tivesse
conseguido.
No chão, estirado, pálido feito
cera,olhosfixosesemiabertos,opai.
Cassiano compreende tudo. O pai,
morto.


Amãe, ajoelhada ao lado,está
calada, perplexa, incrédula. Não
chora, apenas olha. Está como que
hipnotizada,semmovimentos.
Cassiano sente o chão fugir, a
cabeçarodar,nãoreconheceninguém
entre os curiosos. Todos estranhos.
Tão estranhos quanto é aquela
cidade,aquelemorro,aquelebarraco,
aquelavida.Sente vontadede gritar,
decorrer, deentender. Porquetudo
aquilo?!Oqueestáacontecendo?!
Quandocaiemsi,estásozinho.
Aspessoas seforam, o corpodopai
levadonãosabepraonde...Suamãe...
Sua irmã... Cassiano não sabe de
nada...
Agora está ali, sentado. Na
mesma escada, no mesmo degrau,
apenas com os seus pensamentos.
Quem seráqueomatou?Porquê?O
que a vida quis dele? Perguntas e
mais perguntas fervilham em sua
cabeça. Inutilmente. É apenas mais
uma morte,comotantasoutras.Sem
explicação, sem fundamento. No
morroé assim.Ouseémais um, ou
estámorto.Elenãoquissermaisum.
Foisóisso!
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