RLPV 5

(Anita Santana) #1

O CUIDADOR


Iraci José Marin


Quando Gentil aceitou o
trabalho de cuidador de Ambrósio
Espinosa, não sabia o que o
esperava.
O trabalho consistia em cuidar
daquele senhor de 87 anos durante
as 24 horas do dia, de segunda cedo
até sábado cedo. Algum filho
passava a cuidar do pai no fim de
semana. Quando Gentil chegava, na
segunda-feira de manhã, o filho
respirava aliviado. Metilde, além de
respirar aliviada, vibrava
contidamente.
Gentil foi apresentado ao pai
por um dos filhos. Ambrósio
Espinosa olhou para o cuidador
com olhar cinzento e recusou-o. O
filho argumentou que o cuidador
era preparado para aquele trabalho,
que seria melhor para o pai, que ele
ia se sentir melhor com o cuidador,
que os filhos tinham seus afazeres,
as suas famílias, os seus problemas,
e que estava ficando impossível um
deles se retirar de sua vida para
cuidar dele... Ambrósio Espinosa
não cedeu. Duro como um esfregão
de tília, ele virou as costas e se
arrastou até o quarto, pendurado em
sua bengala.
O filho olhou para Gentil, que
sorriu sem vontade, e resolveu
definir a situação. Indicou-lhe o
quarto de dormir, depois explicou
onde estavam as coisas da casa, a
despensa, mostrou as dependências,
foram até o galpão e a horta,


informou o que ele gostava de
comer, que não tomava remédios,
respondeu a algumas perguntas do
cuidador e foi embora.
Gentil percebeu que seu
trabalho seria espinhoso. Mas
aprendera a lidar com situações
adversas e inusitadas, então decidiu
que ia encarar a situação como nas
outras vezes.
Foi até o quarto de Ambrósio
Espinosa e bateu na porta. Ouviu
um resmungo. Bateu outra vez. De
dentro veio um resmungo mais
forte, acompanhado de um
palavrão.
Gentil esperou. Nisto, ouviu
que ele se levantava da cama e
caminhava para a porta. Abriu-a,
encarou o cuidador, seus olhos
cinzentos endureceram e ele se foi
na direção da varanda.
Gentil o seguiu.
Sentou-se de frente para o
pomar, onde pássaros bicavam
caquis maduros. Era uma cena
bonita e caprichosa. Gentil olhava
com satisfação. Ambrósio
Espinosa, no entanto, levantou-se e
foi buscar algumas pedras no pátio
de terra e de lá mesmo começou a
arremessá-las contra os pássaros. A
cada pedrada, gritava ‘malditos!’.
O cuidador trouxe-lhe água
numa caneca esmaltada, mas ele
recusou bruscamente. Depois
reclamou da sua presença,
perguntando o que ele estava
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