RLPV 5

(Anita Santana) #1

fazendo ali. O cuidador respondeu
que era seu trabalho e tal, mas o
velho apontava a rua e dizia para
ele ir embora, ir embora.
Pediu o chimarrão. O cuidador
procurou erva, cuia e bomba.
Ambrósio Espinosa recebeu o
chimarrão, tomou um gole e cuspiu
fora, reclamando que a água estava
muito quente. Gentil acrescentou
água fria na térmica. Recebeu a
cuia e serviu-se. Ambrósio
Espinosa bateu nas canelas do
cuidador com a bengala e gritou
que o chimarrão era só dele.
Gentil imaginara que Ambrósio
Espinosa fosse apenas rabugento,
após ouvir o filho falar do pai. Mas
ali, na companhia dele, dava-se
conta de que ele tinha também um
caráter agressivo.
Mais tarde, Gentil perguntou-
lhe o que gostaria de comer, ia
fazer o almoço. Respondeu que
comia de tudo, era só fazer comida
bem feita e boa.
Gentil preparou sopa de
agnolini. Na mesa, Ambrósio
Espinosa ordenou que o servisse,
depois pediu pão, pediu mais sopa,
reclamou que não tinha pien na
sopa e que sopa de agnolini tinha
que ter pien... De repente,
levantou-se, pegou o copo com
água, e se retirou da mesa. Gentil
observava-o. Retornou alguns
instantes depois com vinho. Fez
gesto para Gentil não se aproximar,
sentou, e falou com voz rouca: “O
bordô
é só meu!”.
Enquanto Ambrósio Espinosa
tirava a soneca da tarde, que às
vezes se prolongava por mais de
hora, Gentil sentou-se sob uma


árvore, que circundava a casa, com
seu livro e fugiu para o prazer da
leitura. Lia O Enfermeiro, conto de
Machado de Assis. Havia várias
coincidências entre a história que
lia e a sua história. Mas não lia para
aprender a lidar com Ambrósio
Espinosa; lia por prazer mesmo.
Ambrósio Espinosa levantou-se,
chamou o cuidador e pediu o lanche
da tarde. Depois, ficou algum
tempo olhando a rua, por onde
quase ninguém passava. Na hora do
programa do noticioso policial e de
tragédias, foi para a sala e ligou o
aparelho de TV.
À noitinha, o cuidador chamou-
o para o banho. Ambrósio Espinosa
encarou-o com seus olhos
cinzentos, agora meio adormecidos,
e se recusou, batendo com a
bengala no chão. Gentil conhecia a
veemência deles, por experiência de
trabalhos anteriores, então
pacientou-se.
Ambrósio Espinosa continuava
no sofá da sala. Em alta voz,
perguntou quanto o cuidador
ganhava para ficar com ele. Gentil
respondeu e o velho, ouvindo a
valor, bateu várias vezes com a
bengala no assoalha e gritou
“madona... tu é um ladrão! ”
Quando Ambrósio Espinosa já
estava dormindo, Gentil sentou no
sofá da sala e retomou a leitura do
conto. Ouviu um ronco distante de
automóvel, mas não se preocupou.
Depois de breve tempo, percebeu
que a porta dos fundos da casa
estava sendo aberta. Levantou-se e
viu uma mulher à sua frente,
sorridente. Era Metilde. Perguntou
baixinho se estava tudo bem, ele
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