Crusoé - Edição 180 (2021-10-08)

(Antfer) #1

formidável de Florença. Ela queria um Pitti, mas teve de se contentar com
um palácio francês e seu telhado de ardósia. De qualquer jeito, nada mau.


A sala no Louvre abriga 21 pinturas cujo tema é a vida de Marie de
Médicis, mais três grandes retratos da rainha e sua família. As dimensões
das obras correspondem ao tamanho do ego da florentina — cada uma
das 21 pinturas tem 4 metros de altura e mostra uma etapa da trajetória
da rainha, desde a infância até o apogeu. Todas são alegóricas, de uma
intensidade barroca cuja beleza aqui e ali sucumbem ao cômico. Imagino,
por exemplo, que Rubens deve ter rido um bocado, e espero que
ninguém o tenha visto, ao pintar o episódio no qual Henri IV recebe o
retrato de Marie de Médicis, com quem viria a casar-se, e se deixa
desarmar pela deusa do Amor. O retrato é carregado por anjos e a deusa
sopra-lhe algumas palavras ao ouvido, enquanto ele admira, embevecido,
a imagem da futura mulher. Outra cena de alguma comicidade é a que
mostra a educação da rainha. Ela tem como professores nada menos do
que Minerva, a deusa da sabedoria, e Mercúrio, o mensageiro dos deuses.
Louis XIII não poderia deixar de exilar uma mãe como essa.


Rubens teve um trabalhão para completar o ciclo, uma vez que as crises
políticas envolvendo Marie de Médicis eram permanentes e ele não podia
ferir suscetibilidades de personagens que ora eram aliados, ora inimigos.
Na hora de receber o pagamento, quase levou um calote e teve de se
contentar com uma soma menor do que a combinada.


Antes de Marie de Médicis, outra regente florentina reinou na França:
Catherine de Médicis, prima da primeira, que comandou o massacre de
São Bartolomeu, em Paris, quando protestantes foram mortos por
católicos, na guerra de religiões que chegou ao final depois que Henri IV,
protestante, converteu-se ao catolicismo e publicou o Édito de Nantes,
estabelecendo a paz entre os dois lados. Ao decidir converter-se, ele teria


dito que “Paris vale uma missa”. Ele escapou, assim, do destino do seu


predecessor, Henri III, filho de Catherine, assassinado por um fanático
católico — e viu-se obrigado a casar com uma católica, Marie de Médicis,
justamente, aquela apresentada a ele pela deusa do Amor. Entre as


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