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(Antfer) #1

João Pereira Coutinho - Hannah e Isaiah


Banco Central do Brasil

Folha de S. Paulo/Nacional - Ilustrada
terça-feira, 9 de novembro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: João Pereira Coutinho


Emi1948, depois do nascimento do Estado de Israel,
uma discussão bizarra aconteceu na Inglaterra. Será
que os judeus da diáspora deveriam continuar
espalhados pelo mundo? Ou, tendo Israel, poderiam
agora emigrar em massa para um Estado só deles? O
romancista Arthur Koestler e o filósofo Isaiah Berlin, dois
conhecidos sionistas, debateram o assunto.


O primeiro defendia a emigração coletiva para Israel em
tons claramente autoritários. Só havia esse caminho,
afirmava Koestler.


Isaiah Berlintinha uma interpretação diferente: antes de
Israel, os judeus tinham poucas escolhas nas
sociedades gentias -podiam se integrar, recusar essa
integração ou ficar no meio termo. Em qualquer dos
casos, eram sempre estrangeiros em terra estrangeira.


Israel normalizou a condição dos judeus ao introduzir
uma nova variante. Sim, haveria judeus que rumariam
para Jerusalém (Berlin foi convidado a isso).


Mas mesmo para os que optassem não o fazer (Berlin,
idem), Israel era igualmente libertador: porque, agora,
ficar na Europaou em qualquer parte do mundo já não
era uma fatalidade. Era uma escolha individual.

Muitos liberais nunca entenderam plenamente esse
raciocínio. E sempre partiram do pressuposto de que o
sionismo de Berlin estava em tensão, quando não em
contradição, com o seu liberalismo cosmopolita. Não
está, não. Para Berlin, liberdade sempre significou ter o
maior número possível de portas abertas, se meu ser
obrigado a escolher uma delas. Israel, na interpretação
de Koestler fechava todas as portas, exceto uma. Para
Berlin, Israel abria pelo menos duas por tas -ficar ou
partir- deixando aos indivíduos a escolha final.

Se relembro essa história é porque li, com alguma
estranheza, um texto no Wall Street Journal sobre a
relação problemúática entre Hannah Arendte Isaiah
Berlin.

Não vou resumir os termos dessa relação; há um novo
livro na praça, intitulado 'Hannah Arendt and Isaiah
Berlin: Freedom, Politics and Humanity', em quee Kei
Hiruta analisa o assunto.

(Ainda não li, confesso, mas conheci Hiruta anos atrás,
em Oxford, e fiquei impressionado com a erudição do
jovem pesquisador. )

Meu ponto é com o autor da resenha, Norman Lebrecht,
para quem a hostilidade entre Berlin e Arendt também
passava pela atitude divergente de ambos sobre Israel.

Berlin, um defensor do Estado judaico; Arendt, sempre
hostil a tal construção, por considerar Israel um
anacronismo nacionalista -uma solução do século 19
transplantada para o século 20.

Para Lebrecht, isso significa que Arendt valorizava a
liber dade individual acima de tudo -e Berlin sucumbia
ao apelo da tribo e do nacionalismo.
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