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Folha de S. Paulo/Nacional - Ilustrada
sábado, 13 de novembro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas
considerava "a coisa mais estranha que os humanos
fazem". E a poeta completa: isso ocorre porque a
história é "concreta e indecifrável".
"Nox" -noite, em latim- não é bem um livro. É uma caixa
com fotos de família, papéis amarelados, cartas, a
tradução comentada do poema 101 de Catulo, selos,
rabiscos. No seu coração está um poema de Anne
Carson sobre o irmão, Michael, que sumiu da sua vida
por mais de 20 anos.
O poema, que ela chama de epitáfio, é um misto de
recordação, luto, lamento e elegia do irmão
desconhecido. É também uma meditação acerca do
impulso de prantear, de resgatar do submundo do
esquecimento um ser que já não é mais -e do qual tão
pouco sabia quando vivo.
A fisicalidade das coisas e da escrita confere ao
conjunto uma tristeza -uma sensação de perda- que
ultrapassa o registro discursivo. Faz com que, na
matéria efêmera da arte, alguns indivíduos e a sua
história fiquem concretos e indecifráveis. É uma caixa
de mementos e momentos.
"Autobiografia do Vermelho" é mais convencional. Ou
melhor: o livro concentra sua radicalidade no interior dos
gêneros literários, embaralhando-os. Ele é um romance
em versos, algo que nem existe mais. Como seu
princípio construtivo são as elipses, o livro é um enorme
hiato.
Parece complicado -e é mesmo. Não obstante, conta-se
a história de Gerião, um menino que é abusado pelo
irmão e a mãe é meio lelé. Ele se apaixona por
Héracles, foge do Hades familiar, torna-se fotógrafo, é
abandonado pelo namorado e perambula pela Argentina
e o Peru.
Isso na aparência, pois o real se enraíza em mitos
imemoriais. Nos fragmentos de Estesícoro, Gerião é o
monstro alado e vermelho que Hércules (Héracles) mata
no décimo dos seus 12 trabalhos. Entre o tempo do mito
e o da história, pulsa a poesia fraturada de Anne
Carson.
COLUNISTAS
Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
Econômico - Colunistas