PABLO ORTELLADO - Precisamos escutar
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O Globo/Nacional - Opinião
sábado, 13 de novembro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Autor: PABLO ORTELLADO
Há algumas semanas, uma ativista de direita que
protestava contra o passaporte da vacina na Câmara
Municipal de Porto Alegre foi acusada de racismo por
dizer que uma vereadora negra era sua 'empregada'.
Seu grupo foi acusado de apologia ao nazismo por
carregar um cartaz com uma suástica. Não foi apenas o
ativismo de esquerda que difundiu a acusação.
Reportagens na maioria dos grandes veículos de
imprensa também o fizeram.
Quem assistir ao vídeo com a cena, porém, verá que a
ativista diz: 'Eu sou o povo' e, em seguida, 'tu é minha
empregada', querendo dizer que os políticos são - ou
deveriam ser - funcionários do povo. Fotos do dia
mostram que a suástica do cartaz não era apologia,
mas crítica: estava ali para dizer que o passaporte da
vacina era uma política nazista (e, por ser nazista, não
deveria ser adotado).
A oposição às políticas sanitárias é uma postura muito
equivocada e perigosa, na opinião deste colunista. Mas
isso não dá o direito de distorcer as posições de quem a
adota - se é que o que aconteceu foi uma distorção
deliberada das posições dos ativistas antivacina.
Dada a dimensão da confusão, estou convencido de
que nós, progressistas e oposicionistas, simplesmente
não conseguimos mais escutar os bolsonaristas e,
independentemente do que dizem, ouvimos apenas
aquilo que nosso preconceito indica. E isso é um
problema grave, porque os bolsonaristas são um terço
da cidadania brasileira.
O problema não está apenas no ativismo anti-Bolsonaro
e na imprensa: está também na academia. Quem
revisar a literatura científica sobre a extrema direita
descobrirá que ela está tomada de vieses que não
vemos quando se estudam outros objetos.
Nos estudos sobre movimentos sociais, a extrema
direita ainda é tratada na chave da anomia social, como
se o apoio às suas causas fosse uma espécie de
disfuncionalidade. Estudamos os movimentos de
extrema direita como se fossem causados por um
desarranjo profundo, um desespero irracional gerado
pela rápida mudança nas relações sociais e nos valores,
pelo desemprego, pela falta de instrução ou pelo baixo
capital cultural.
Esse tipo de abordagem foi abandonado há mais de 50
anos pela sociologia dos movimentos sociais. Apesar
disso, ainda não conseguimos tratar as mobilizações da
extrema direita como tratamos os outros movimentos
sociais: como uma ação coletiva orientada à mudança
social.
Quando olhamos para o perfil de quem estuda, vemos
também um padrão diferente. Em geral, movimentos
sociais e políticos são estudados por simpatizantes.
Trotskistas estudam o trotskismo, e ambientalistas o
ambientalismo. Os movimentos de extrema direita são
os únicos estudados pelos seus adversários - e é muito
difícil compreender atores por que sentimos hostilidade.
Precisamos deixar um pouco de lado nossos