Banco Central do Brasil
Revista Carta Capital/Nacional - Seu País
sexta-feira, 12 de novembro de 2021
Banco Central - Perfil 1 - Paulo Guedes
para 19 milhões de reais. O Abrace o Marajó prevê
parcerias público-privadas para ampliar o acesso dos
500 mil marajoaras à saúde, educação e segurança. Na
região estão oito das 50 cidades com os piores índices
de desenvolvimento do País. Não bastasse, a
população sofre, em pleno século XXI, com a ação de
piratas, dedicados a roubos e sequestros.
Entidades civis denunciam, no entanto, conflitos de
interesse, econômicos e políticos, no programa. Para
começar, uma das ONGs contratadas para gerir alguns
dos projetos é a Rede Mondó, comandada por Elizabeth
Guedes, irmã do ministro da Economia, Paulo Guedes,
e Lyvia Montezano, esposa do presidente do BNDES,
Gustavo Montezano. Em princípio, a organização ficaria
responsável por administrar 5 milhões de reais em
ações ligadas ao Pátria Voluntária, atividade que ocupa
o tempo da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, mas as
primeiras denúncias a respeito levaram a uma redução
do orçamento para 700 mil reais.
A Rede Mondó nasceu há poucos meses e foi criada
especificamente para elaborar o plano piloto no
município marajoara de Breves, que ocupa a 5.520ª
posição no ranking dos piores IDHs do País, segundo o
IBGE. Quem responde pela ONG é a Associação
Nacional de Universidades Privadas (Anup), presidida
pela irmã do ministro Guedes. Lyvia Montezano, por sua
vez, integra a diretoria por indicação da própria
Damares. “A equipe da Rede Mondó é paga com
recursos privados e o convênio que foi celebrado entre
a prefeitura de Breves e a Anup não contempla o
repasse de recursos e não teve nenhuma interveniência
do governo federal, que sequer dele faz parte”,
respondeu a entidade por meio de nota. O BNDES,
também por escrito, afirmou que “não houve aportes
destinados diretamente ao programa e que ainda está
em estudo a criação de um fundo para a gestão desses
recursos”, e que o apoio ao programa tem o objetivo de
“atrair investimentos para a região, gerar emprego e
renda, contribuindo também para a redução da violência
sexual”.
Cerca de 60 entidades denunciaram, porém, ao
Ministério Público Federal a exclusão da sociedade civil
das discussões. A população não é ouvida, mas
agricultores e religiosos da região têm espaço livre para
dar seus pitacos e meter o bedelho. Carta Capital teve
acesso às 124 agendas da ministra relacionadas ao
programa obtidas pelo Observatório do Marajó, via Lei
de Acesso à Informação. Em geral, Damares encontrou-
se com empresários e pastores. Em 2 de julho, esteve
na cidade de Soure, onde se reuniu com representantes
da Igreja Universal, Assembleia de Deus, Ministérios da
Renovação, Reconciliação, Casa de Oração, Missão
para Todos, dentre outras seitas, e com a Associação
de Produtores, Extratores e Comerciantes de Produtos
Acabados. Em outras reuniões também estiveram
presentes criadores de búfalos. “Não é só a disputa pelo
ouro roxo, o açaí, ouro marrom, madeira, e ouro
propriamente dito, mas também pelos rios por onde eles
querem escoar e exportar seus produtos”, denuncia Luti
Guedes, diretor-executivo do Observatório do Marajó.
A distância entre o programa federal e a população
marajoara é maior do que se imagina. Os “coletivos da
sociedade” escolhidos pelo governo para acompanhar o
projeto são a Federação das Indústrias do Estado do
Pará, a Federação da Agricultura e da Pecuária do Pará
e a BioTec, empresa prestadora de serviço ao setor
privado. Há quem desconfie que o Abrace o Marajó tem
o objetivo político de cacifar uma possível candidatura
de Damares Alves ao Senado pelo estado, que lhe
concedeu o título de cidadã honorária. “A parceria desse
programa é com o agronegócio da região e não com o
povo”, acusou Dom Evaristo Spengler, bispo da prelazia
do Marajó. O religioso enviou uma carta a Damares, em
janeiro, na qual solicita uma reunião e maior diversidade
de representantes no comitê gestor, mas até hoje não
obteve resposta. O bispo afirma ter sido convidado
apenas para um único evento, do qual Jair Bolsonaro
participou, em Breves, durante as eleições, e que
declinou do convite por convicção “ética e evangélica”,
para evitar apropriação político partidária da ordem.