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(Antfer) #1

PEDRO SERRANO - Tolerância não é opcional


Banco Central do Brasil

Revista Carta Capital/Nacional - Colunistas
sexta-feira, 12 de novembro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: PEDRO SERRANO


Em sua conhecida obra Fragmentos de Um Discurso
Amoroso, Roland Barthes analisa como o amor se
estrutura enquanto discurso. Os signos, os símbolos e


os elementos linguísticos nos quais se enredam o
discurso, segundo ele, influenciam na própria maneira
como o indivíduo apaixonado apreende o sentimento
amoroso em si. Ele observa que em determinadas
culturas africanas a pessoa apaixonada usa trajes que a
diferenciam das demais. Como seres de linguagem que
somos, precisamos exprimir os nossos afetos e o
fazemos pela utilização de diversos signos e
manifestações.
Apesar de a expressão da afetividade ser uma
necessidade e um elemento fundamental da nossa
dignidade enquanto seres humanos, infelizmente ainda
tem gente que se escandaliza diante de um beijo entre
pessoas do mesmo sexo – seja na vida real, na porta de
um cinema, seja na ficção, em uma novela ou história
em quadrinhos. Recentemente, o beijo entre o atual
Superman e outro homem rendeu mais um triste
episódio de intolerância, protagonizado pelo jogador de
vôlei Maurício Souza, que recorreu, como tem sido
comum, ao seu direito à liberdade de expressão para
fazer um discurso homofóbico para milhares de
seguidores nas redes sociais.
E é justamente porque há muito intolerante justificando
seu discurso racista, machista e homofóbico que a
distinção entre o que é e o que não é liberdade de
expressão precisa ser estabelecida de forma séria e
responsável. A liberdade de expressão é um valor
fundamental da democracia e deve ser ampla,
sobretudo no campo da política. A possibilidade de
crítica ao sistema político e seus agentes, ao Judiciário
e às suas decisões não deve ser limitada, pois serve,
inclusive, para conter e evitar abusos em suas
engrenagens.
Por outro lado, quando se amplia demais o conceito de
liberdade de expressão para se justificar a intolerância,
sobretudo, em relação às minorias, incorre-se em grave
agressão à democracia. Ninguém pode reivindicar ser
livre para oprimir grupos vulneráveis e muito menos
para, no limite, cometer um crime. Nesse campo, o que
deve prevalecer é o princípio constitucional da
tolerância e o da proteção a esses grupos.
A tolerância não é um valor abstrato, nem opcional, que
o adota quem quer, mas sim uma imposição normativa.
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