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Revista Carta Capital/Nacional - Nosso Mundo
sexta-feira, 12 de novembro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

É difícil saber o que esse desespero niilista pretende
alcançar ou como imaginar o mundo como um filme de
Mad Max tornaria os indivíduos mais dispostos a agir. O
romancista Jonathan Franzen insistiu na revista New
Yorker que os cidadãos precisam parar de “negar a
realidade” e dizer “a nós mesmos a verdade”, de que a
mudança climática “não pode ser resolvida”. “Todos os
dias, em vez de pensar no café da manhã, elas
precisam pensar na morte”, sugeriu.


Não é de surpreender que essa sensação de desolação
e futilidade tenha se infiltrado na cultura de modo geral.
Uma recente pesquisa internacional com jovens
descobriu que 75% acreditavam que “o futuro é
assustador”, 56% pensavam que “a humanidade está
condenada” e 39% “hesitavam em ter filhos”.


A mudança climática é uma questão crítica e exigirá
considerável vontade política e determinação social
para ser enfrentada. Hallam, Franzen e pensadores
semelhantes insistem que apenas uma visão
apocalíptica convencerá os outros a agirem. Na
realidade, como observou a jornalista ambiental Hannah
Ritchie, “quando a raiva se transforma em desespero,
lutamos para conseguir muito”.


Não é somente sobre as mudanças climáticas que o
pessimismo tomou conta do debate. Considere as
discussões sobre racismo. Desde o crescente
escândalo sobre o tratamento dado pelo Yorkshire
County Cricket Club ao ex-jogador Azeem Rafiq até o
julgamento nos Estados Unidos de três homens brancos
pela morte do corredor Ahmaud Arbery, o racismo
domina grande parte das notícias. No centro do debate
está a insistência na necessidade de erradicar o
“racismo institucional”. E, ainda, apesar de todas essas
conversas, muitos, sejam colunistas ou corporações,
veem o racismo como propriedade não de estruturas
sociais, mas de brancos. Quando o racismo é visto
como produto da branquitude, ele se torna “inevitável”,


algo que perdurará enquanto existirem os brancos, nas
palavras de Robin DiAngelo, autora de White Fragility
(Fragilidade Branca) e decana da escola “os brancos
são o problema”. É por isso que os “progressistas” que
confrontam o racismo “causam os maiores danos às
pessoas de cor” por causa de seus sonhos de erradicar
o racismo.

DiAngelo tem uma boa linha ao monetizar a culpa
branca, mas pensadores negros sérios também
defendem uma visão desoladora. O escritor americano
Ta-Nehisi Coates foi aclamado pela falecida Toni
Morrison como o novo James Baldwin, por seus
argumentos desafiadores e prosa requintada. A
supremacia branca, sugere Coates, é como uma força
natural além do alcance das soluções humanas. “O
terremoto não pode ser convocado. O tufão não se
dobrará sob a acusação”, como diz em seu livro
Between the World and Me (Entre o Mundo e Eu).
Coates faz parte de uma escola de pensamento, às
vezes chamada de “afropessimismo”, nutrida por
escritores como Frank Wilderson e Patrice Douglass,
que argumentam que pouca coisa pode mudar para os
negros, e que, nas palavras de Wilderson, “a negritude
é coincidente com a escravidão”.

Pode parecer estranho falar de pessimismo ou
desespero na era de Vidas Negras Importam e
Extinction Rebellion. Um paradoxo de nosso tempo é
que o protesto apaixonado frequentemente coexiste
com um sentido de fatalismo sobre as possibilidades de
mudança. Há uma longa história de pessimismo
misantrópico, em grande parte presente na tradição
conservadora. Para eles, as falhas da natureza humana
são motivo para se evitar o que consideram esquemas
utópicos de mudança social. “Aqueles que lutam para
mudar o mundo buscam apenas consolo para uma
verdade que eles são fracos demais para suportar”,
sugere o filósofo John Gray. O que é diferente hoje é
que o pessimismo e a misantropia também colonizaram
grande parte da esquerda. Esta é uma questão a ser
enfrentada, tanto quanto a mudança climática ou o
racismo. Do contrário, o desespero de lutar contra esses
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