Clipping Banco Central (2021-11-13)

(Antfer) #1
Banco Central do Brasil

Revista Veja/Nacional - Brasil
sexta-feira, 12 de novembro de 2021
Banco Central - Perfil 1 - Reforma da Previdência

determinado projeto em razão do impacto que o seu
voto terá entre os seus eleitores. No caso específico da
PEC, a rejeição da proposta poderia inviabilizar o
pagamento do Auxílio Brasil e ele ser cobrado por isso
mais adiante. “O parlamentar faz a seguinte pergunta:
'Qual é o- risco que eu tenho, do ponto de vista da
minha sobrevivência política, em agir contra o meu
partido?”, exemplifica a cientista política Andréa Freitas,
professora da Unicamp e pesquisadora do Cebrap.
Segundo ela, em legendas menos rigorosas
ideologicamente, contrariar a orientação pode ter um
desgaste menor do que irritar o eleitor.


Em alguns casos, o que dá o tom, porém, é a
identificação do deputado com a proposta em discussão
— um tipo- de descompasso que é possível ver em
partidos como PSDB, Cidadania e Nora, legendas que
defendem o impeachment de Bolsonaro, mas cujos
deputados se alinham à orientação da liderança do
governo em no mínimo 80% das vezes, conforme
levantamento da plataforma Radar do Congresso (veja
o quadro ao lado). Um caso emblemático é o do Novo.
Enquanto a direção do partido, incluindo o seu principal
líder, João Amoêdo, pede a saída de Bolsonaro, seus
deputados votam quase sempre com o governo por
comungarem da visão da equipe econômica do ministro
Paulo Guedes, principalmente em temas como diminuir
o tamanho do Estado e promover desregulamentações
que estimulem a iniciativa privada na economia — a
PEC dos Precatórios foi um raro caso em que a
bancada da legenda votou contra o governo, justamente
por não concordar com o calote previsto.


Outro exemplo de comportamento dúbio da bancada
vem do PSDB. Aécio Neves, que foi candidato do
partido ao Planalto em 2014, tem um índice atual de
governismo de 91%. Para desafetos do mineiro, como o
grupo ligado ao governador paulista João Doria, Aécio
faz acordos com o governo em troca de emendas e em
razão da sua estratégia de trabalhar contra a
candidatura presidencial do partido. Já Aécio, que apoia
o governador gaúcho Eduardo Leite nas prévias do
partido (veja reportagem na pág. 32), rebate dizendo


que Doria não conhece o ‘instinto de sobrevivência" e
que a empreitada presidencial do paulista atende
apenas a um projeto personalista. Há ainda os casos
em que os tucanos estão desalinhados com o
posicionamento oposicionista do partido por pura
identificação programática com a pauta do governo,
como ocorre com o Novo.
Além dos interesses mais imediatos dos parlamentares
ou de suas visões divergentes sobre temas em
discussão, a infidelidade é parte de um processo
histórico. O PSB e o PDT, por exemplo, ainda padecem
do fato de serem partidos com mais força regional nos
berços políticos de suas figuras emblemáticas: no caso,
o PDT no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, onde
Leonel Brizola foi governador, e o PSB em Pernambuco,
onde Miguel Arraes comandou o governo. Sem nomes
com a mesma força política em outros estados,
acabaram por acolher figuras com mais potencial
eleitoral do que exatamente um alinhamento ao ideário
de esquerda. Pouca gente se lembra, mas a ministra
Tereza Cristina (Agricultura) e o ministro Marcos Pontes
(Ciência e Tecnologia), que integram o governo
Bolsonaro, foram filiados recentemente ao PSB.

Essa feita de coerência ideológica está relacionada ao
uso dos partidos como meros instrumentos de obtenção
do poder — e dinheiro, claro. “A Constituição de 88
deixou muito flexíveis as exigências para a formação de
legendas, o que significa que facilitou que qualquer
pequeno agrupamento, mesmo que não tivesse muita
concepção programática, pudesse se organizar”, afirma
o cientista político José Álvaro Moisés, professor da
USP. Mesmo siglas mais consolidadas em seu campo
ideológico passaram pelo problema. Foi o caso do PT.
Além das tendências radicais que deram origem ao
PSTU e ao PCO nos anos 90, já no primeiro ano do
governo Lula, em 2003, o partido expulsou a senadora
Heloísa Helena e os deputados Luciana Genro, João
Fontes e Babá — gesto que deu origem ao PSOL — por
ficarem contra a orientação da sigla na votação da
reforma da Previdência petista.

O problema, portanto, é antigo, só aumenta e não há
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