Rui Campos, sócio-fundador da carioca Livraria da Travessa, que chega a São Paulo,
comemora a boa fase da rede de 11 lojas, na contramão do mercado editorial
Se você gosta de ler, provavelmente já reservou algumas ho-
ras daquela viagem para o Rio de Janeiro para visitar algu-
ma unidade da Livraria da Travessa. Do icônico endereço de
Ipanema, na rua Visconde de Pirajá, à descolada casinha em
Botafogo que abriga uma curadoria mais focada em poesia
e obras de feminismo e negritude, a rede de 11 lojas – duas
recém-abertas, em São Paulo, em Pinheiros, e Lisboa, em Por-
tugal – vai na contramão do que se espera para o mercado
editorial hoje. “No último Natal, por exemplo, tivemos um
aumento de 50% de vendas em relação a 2017. Também
temos um sistema de gerenciamento impressionante, o que é
um problema no mercado como um todo. Tudo acontece com
clareza, inclusive a prestação de contas com editores e forne-
cedores. Tem que estar antenado para isso também, não só
na poesia”, conta Rui Campos, sócio-fundador da Travessa.
O mineiro de alma carioca chegou ao Rio em 1975,
aos 21 anos. A viagem tinha uma motivação bem específi-
ca: trabalhar como livreiro. Faltava experiência profissional
na área, mas sobrava vontade de mergulhar nesse mundo:
o contexto era a ditadura militar e Rui era um participante
ativo de movimentos culturais. “E, como todo bom mineiro,
tinha uma paixão pelo Rio”, ri, com sotaque misturado de
suas duas terras. A oportunidade de trabalho apareceu rá-
pido, na Livraria Muro, no subsolo de uma galeria na praça
General Osório, em Ipanema.
A época proporcionou que Rui entrasse em contato com
diversos artistas que faziam a chamada poesia marginal,
com livros publicados em mimeógrafos de forma independen-
te. “Acho que dar espaço a isso foi um dos motivos que fize-
ram o nome da Travessa: sempre soubemos interpretar o mo-
mento político-cultural. O bacana de uma livraria é isso, ser
intérprete do movimento cultural da cidade. O cliente se sente
parceiro”, afirma. Aqui, ele reflete sobre o antes, o agora e
o depois de seu negócio, que é também sua grande paixão.
DE VOLTA AO FUTURO “Hoje, a Travessa é uma livra-
ria totalmente digital, com tudo informatizado. A única coisa
que não é digital são os livros. O momento de ler um livro
é o de fugir da tela, do eletrônico, para você mergulhar na-
quelas páginas. Quando surgiram os e-books, falaram que
o impresso ia acabar. Era assustador competir com Apple,
Microsoft, Amazon. Mas, nos últimos anos, percebemos que
o livro vem reagindo muito bem. Tivemos os picos de crise,
vimos grandes cadeias livreiras falindo, mas no mundo todo
a venda de livros impressos vem crescendo – e isso é uma
ótima notícia.”
NOVOS LEITORES “A relação das pessoas com livros
vem mudando também. Tenho um filho de 22 anos, um cara
totalmente digitalizado, que joga todos os joguinhos e tem
todos os aplicativos, mas é totalmente apaixonado por ler. A
namorada e os amigos também. O livro proporciona que a
pessoa se desligue por um tempo e entre na página, algo de
que precisamos cada vez mais.”
BARRIGA NO BALCÃO “O segredo é sempre fazer a
leitura correta do presente, mas sabendo que as decisões de
rumo não podem ser tomadas de dentro de uma diretoria, de
um comitê. Vou dar um exemplo citando o caso recente da
Livraria Cultura. Eles eram uma referência para mim, e as pes-
soas me perguntam o que aconteceu com eles. Percebo que, no
momento em que eles se associaram a alguns investidores, saí-
ram de dentro da loja e tomaram macrodecisões de fora, per-
deram a característica de livraria que as pessoas percebiam.
Virou um business de investimento. A gente gostaria de nunca
perder esse contato com o público. A Ana, minha mulher, me
lembra sempre que eu preciso ir para o balcão. Quando eu te-
nho muitas dúvidas de empresário, fico atormentado por esses
problemas, ela me alerta para esse tipo de coisa. O livreiro é
muito incensado – não ganha muito dinheiro, mas ganha muito
afeto. Não perder esse contato é o caminho.”
ABRE-ALAS “Nunca pensei que diria isso, mas acaba-
mos de abrir uma loja em Lisboa, a primeira fora do Brasil.
Recebemos o convite há uns dois anos, e eu achei graça.
Vai ser no térreo da Casa Pau-Brasil, multimarcas que fica no
bairro Príncipe Real. Apaixonei-me pelo lugar – vai ser onde
funcionava uma antiga loja de móveis, e eles nos chama-
ram porque queriam uma livraria que trouxesse informação
e cultura brasileira. Agora, no início de junho, também inau-
guramos nossa primeira loja de rua em São Paulo, na rua
dos Pinheiros. Vai ser pequena, com bastante curadoria e um
espaço em que você mesmo prepara seu café. Sem dúvida,
é um momento de desbravar novos territórios.”
“O livro proporciona que a pessoa se desligue por
um tempo, algo de que precisamos cada vez mais”
RUI CAMPOS
Texto Alexandre Makhlouf Retrato Camilla Maia