Carbono Uomo - Edição 13 (2019)

(Antfer) #1
MARCELO GLEISER

Carbono Uomo


O senhor ainda é adepto da pesca esportiva?


Marcelo Gleiser


Nasci em Copacabana e, aos 12 anos, eu ia à praia
sozinho para pescar. Na época, era apenas uma
compulsão e hoje entendo que procurava solidão.
Flertava com o desejo de ficar de frente para a linha
do horizonte, do mar, do céu. As minhas costas fica-
vam para a cidade, ou seja, eu procurava estabele-
cer uma relação maior com a natureza. Pesquei por
alguns anos, mas por causa dos estudos e das via-
gens, deixei para lá. Quinze anos atrás, retomei essa
prática me dedicando à pesca mosca, uma técnica
difícil e muito zen. A gente entra no rio com a vara e
tem uma tática muito bonita de lançamento da linha.
Essa relação do homem entrando na natureza me ca-
tivou. Pesquei em vários lugares do mundo, mas aos
poucos desenvolvi aversão a isso.

Carbono Uomo


Por quê?


Marcelo Gleiser


A minha atitude em relação à proteção do Planeta
Terra, à vida, influenciou a minha relação com a pesca
de tal maneira que já não pesco mais há oito anos.
Apesar da beleza toda desse processo da pesca
mosca – e mesmo devolvendo o peixe, como eu sempre

Recém-premiado com o Templeton, considerado o Nobel do diálogo da ciência
com a espiritualidade, o astrofísico Marcelo Gleiser segue investigando o
universo com o entusiasmo de um iniciante. Nesta entrevista, ele fala de seus
últimos temas de estudo, relembra como se tornou conhecido no Brasil e
comenta sobre o dia em que conheceu Stephen Hawking

O astrofísico Marcelo Gleiser acaba de completar 60 anos. Pai
cinco vezes – três filhos do primeiro casamento e dois do segun-
do –, ele concorda com este que vos escreve: “Casamento é um
tipo de ciência, nem sempre se acerta”. Vegetariano, ultrama-
ratonista apaixonado por corridas em montanhas, ex-pescador
e ex-jogador de vôlei, Gleiser fez do olhar eclético, com o qual
analisa as questões que martelam a humanidade sobre a ori-
gem do universo, um esporte no qual nada de braçada.
Seu mais recente título, conquistado em março passado,
foi o Templeton, considerado o Nobel do diálogo da ciência
com a espiritualidade, entregue em outras oportunidades a
figuras como Madre Teresa de Calcutá e Dalai Lama. Autor

de 14 livros – dica: leiam A Simples Beleza do Inesperado –
traduzidos em 15 idiomas, mais de uma centena de artigos
especializados e milhares de ensaios publicados, o carioca
que mora nos Estados Unidos, onde é professor titular de
física e astronomia no Dartmouth College, em Hanover, foi o
primeiro latino-americano da história a envergar tal honraria.
Muito além dos R$ 5,5 milhões que embolsou pelo Tem-
pleton, Gleiser sabe que sua maior riqueza é ter se tornado
familiar para os brasileiros, condição rara para um cientista
daqui. E assim o é porque, como aconteceu em suas relações
afetivas, como ocorre no dia a dia de trabalho e na ciência
como um todo, a gente erra muito para poder acertar.

Por Rodrigo Grilo Retrato Eli Burakian

fiz – ele continua sendo uma relação de violência com
o peixe. Descobri que não preciso de uma vara na
mão para estar próximo do mundo natural e de como
ele é regido. Atualmente, eu participo de corrida de
montanha. Tenho uma conexão profunda, espiritual,
quando o faço. Para mim, é quase uma forma de
veneração religiosa pela natureza, que é a grande
inspiração da minha vida. Participo de corridas aqui
e na Europa, de ultramaratonas que variam de 50 a
100 quilômetros. Algumas duram 20 e poucas horas.
Em breve, farei uma de 117 quilômetros, nos Alpes da
Itália. Treino cinco vezes por semana e corro uma mé-
dia de 60 a 80 quilômetros. Claro, além de cuidar do
corpo, é para estar em forma para aguentar o desafio.

Carbono Uomo
Em qual momento a opção pelos estudos acerca do universo,
e pela carreira como cientista, apresentou-se?

Marcelo Gleiser
Com 13, 14 anos passei a me interessar pela histó-
ria da Terra, saber como e quando ela surgiu. Per-
cebi que deveria olhar para o universo como um
todo e passei a me interessar pelas questões mais
astrofísicas e por Einstein, porque foi o sujeito que
criou uma nova maneira de a gente olhar para o
universo. Eu entendi que precisava, então, apren-
der a física moderna da relatividade, quântica.
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