Carbono Uomo - Edição 13 (2019)

(Antfer) #1
Na realidade brasileira do fim dos anos 1970, po-
rém, seria arriscado ser um cientista teórico. Optei,
então, pela engenharia química, mas logo ficou claro
que o meu negócio era física. Graças ao CNPq (Con-
selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-
nológico), ganhei uma bolsa para estudar teoria da
relatividade. E essa experiência mudou a minha vida.

Carbono Uomo


Por que no Brasil a ciência é pouco divulgada?


Marcelo Gleiser


O Brasil tem cientistas de altíssimo nível que pode-
riam estar em qualquer universidade espalhada pelo
mundo, como o presidente da Academia Brasileira
de Ciência, Luiz Davidovich. Ele foi professor de
física na PUC, é brilhante e membro da Academia
Nacional de Ciências dos Estados Unidos, superpres-
tigiosa. Falta mais comunicação no Brasil, porque
ninguém sabe muito da expertise da ciência feita
aqui. A mídia não dá espaço e também os próprios
cientistas brasileiros não são ativos como deveriam
para se comunicar com o público em geral.

Carbono Uomo


Qual fato o fez saltar aos olhos do grande público aqui


e ter o trabalho reconhecido também no exterior?


Marcelo Gleiser


Ganhei uma bolsa para fazer doutorado na Inglater-
ra. Estar exposto a cultura, carreira e entidades so-
ciais diferentes me deixou em dúvida sobre se estaria
preparado. Mas percebi que o curso que havia feito
na PUC era de primeira linha. Fui muito bem e acabei
conseguindo um pós-doutorado. Aí me mudei para os
Estados Unidos. Qual o segredo do sucesso? É a pai-
xão enorme pelo que faço. É possível ser criativo em
diferentes áreas, mas há algo em comum em todas
as pessoas criativas: a paixão por aquilo que fazem.
Sempre fui muito apaixonado pela relação entre o ho-
mem e a natureza presente no universo. Outra razão:
a persistência e a resiliência que fazem a gente não
desistir quando somos derrubados, já que em ciên-
cias a gente erra mais do que acerta. Desde garoto,
atleta, a porção guerreira de insistir e trabalhar muito
duro para conseguir o que almejo faz parte da minha
personalidade. Foi uma construção de muito trabalho,
dedicação e muitos fracassos também. A gente erra
muito para acertar, e isso é importante.

Carbono Uomo


O quanto o fato de o senhor estabelecer diálogo entre ciên-


cia e religião pode ter patrocinado o seu sucesso?


Marcelo Gleiser
Muito antes de começar a escrever artigos científicos,
eu era um pesquisador que trabalhava em cosmologia
e escrevi artigos para muitas conferências. Desenvolvi
credibilidade e reputação no mundo científico muito
antes desse culto, digamos assim. Fui me tornando
um intelectual que escrevia para a Folha de S.Paulo,
publicou livros, e isso fez com que as pessoas ouvis-
sem o que eu estava dizendo. Mas, no Brasil, ficaram
sabendo que eu existia mesmo quando, em 1994,
recebi o prêmio (Presidential Faculty Fellows Award,
por seu trabalho de pesquisa em cosmologia e por
sua dedicação ao ensino) do então presidente dos
Estados Unidos, Bill Clinton. Virei manchete de jor-
nais: brasileiro recebe prêmio de US$ 500 mil de Bill
Clinton. A partir de então, lancei o meu primeiro livro,
A Dança do Universo, e as coisas engataram. Como
intelectual público que escrevia sobre ciência em um
contexto multicultural, histórico, religioso, filosófico, eu
me diferenciei de outros físicos e cientistas que escre-
vem para o público em geral. Isso foi a grande ala-
vanca para o meu sucesso profissional. Hoje, poucos
ainda entendem que a ciência é parte de um processo
cultural muito mais amplo do que fazer iPhone e GPS.

Foto Kari Gleiser
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