Carbono Uomo - Edição 13 (2019)

(Antfer) #1
Carbono Uomo
Sobre quais teorias o senhor se debruça atualmente?

Marcelo Gleiser
A minha ocupação maior é entender a evolução do
universo. Quando ele era muito jovem, não havia
galáxia, estrelas, gente, apenas elétrons, partículas
elementares. A questão, então, é como essa sopa
cósmica foi evoluindo de forma a criar estruturas
cada vez mais complexas, de forma a gerar o que
a gente tem hoje. Quatro datas são importantes
nesse contexto. A origem do universo se deu há
13,8 bilhões de anos. Ele evoluiu, foram formadas
as primeiras estrelas e, 4,5 bilhões de anos atrás,
surgiram o Sol, os planetas do Sistema Solar e a
Terra. Há mais ou menos 3,5 bilhões, surgiu a vida
na Terra, e os primeiros membros da nossa espécie
aqui datam de mais ou menos 200 mil anos.

Carbono Uomo
É possível explicar a origem da vida aqui?

Marcelo Gleiser
É, mas ainda não sabemos como os elementos quí-
micos inorgânicos se reuniram em células primitivas
para formar os primeiros seres vivos, que, com certeza,
eram bactérias. A gente sabe aproximadamente quan-
do, mas não onde e como começou a vida. É uma das
grandes questões da ciência. Conseguimos até criar a
vida em laboratório, mas não iremos saber se ela se
formou do mesmo modo como a vida aqui na Terra.

Carbono Uomo
A física quântica é a chave para várias inovações tecnoló-
gicas, mas é um bicho de sete cabeças para a população.

Marcelo Gleiser
A física quântica é misteriosa mesmo, muito estranha,
porque é muito distante da nossa realidade. As pro-
priedades dos elétrons, dos prótons, dos átomos, das
moléculas, são muito diferentes das bolas de futebol,
dos carros, das nuvens, das pessoas andando na rua.
É uma física que vai muito além da intuição que a
gente desenvolve no dia a dia, uma vez que estamos
vendo o mundo acontecer na nossa frente. Então, as
propriedades desses objetos muito, muito pequenos
mesmo, são tão diferentes que soam como algo alie-
nígena. A gente sabe como usar as propriedades
das partículas e tal, por isso é possível construir GPS,
ressonância magnética e outros equipamentos que
dependem das propriedades quânticas da matéria.
E tentamos explicar a física quântica da melhor ma-
neira possível. Eu faço isso em vários dos meus livros.

Carbono Uomo
O estudo do impossível deve ser encarado com entusiasmo
ou receio?

Marcelo Gleiser
Aprendemos bastante sobre o mundo e nós mesmos,
mas seguimos cercados por mistérios, desconhecen-
do muita coisa sobre a gente e o mundo. O trabalho
da ciência é tentar penetrar no desconhecido, para
ampliar o nosso conhecimento. Ao fazer isso a gente
confronta o mistério sobre a nossa própria existên-
cia. Temos muitas dúvidas sobre como funciona o
ser humano, sobre o que é a consciência humana. É
lamentável quando, ao invés de abraçar o desconhe-
cido, a gente se afasta dele pelo medo do que pode
representar. O que marca a história da civilização
humana é o fato de ela ser feita por pessoas com co-
ragem de encarar o novo. Tento motivar para que se
olhe para o desconhecido não com medo, mas com
a curiosidade de uma criança.

Carbono Uomo
O senhor teve a chance de conhecer Stephen Hawking. O
que o chamou a atenção nesse dia?

Marcelo Gleiser
Eu o conheci quando fazia a minha residência
como pós-doutorando em Chicago. Fui indicado
para ser o acompanhante durante uma visita dele.
Ele era uma pessoa muito interessante. Apesar do
sofrimento humano que encarou, nunca o vi perder
o bom humor. Ele era engraçado, sempre acha-
va um jeito de fazer uma piada. A primeira coisa
que falou quando descobriu que eu era brasileiro
foi: “Ah, sim, o Brasil, lugar daquelas moças bem
bonitas”. É uma demonstração de apelo à vida,
à alegria de estar vivo. Vindo de alguém com um
corpo doente de uma forma terrível, trata-se de um
grande exemplo à humanidade.

MARCELO GLEISER

TENTO MOTIVAR PARA


QUE SE OLHE PARA O


DESCONHECIDO NÃO


COM MEDO, E SIM COM


A CURIOSIDADE DE


UMA CRIANÇA


Foto Kari Gleiser

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