Carbono Uomo - Edição 13 (2019)

(Antfer) #1
De 1845, esta novela são duas histórias,
uma dentro da outra. A que ocupa o
miolo do livro (narrada por um ex-mili-
tar que desce ao inferno por conta da sua
paixão por Carmen) é a que se tornou
famosa em filmes, musicais, séries e na
ópera de Bizet. A outra, que serve de
moldura à primeira, é narrada por um
arqueólogo que divaga pela Andaluzia.

Os exames escolares se aproximam e,
depois de uma briga familiar, o estudan-
te narrador busca abrigo no campo. Com
um amigo, hospeda-se numa pensão.
Eles vagueiam pelos arredores e, de
repente, encontram um pássaro enforca-
do num arame preso a um galho. Quem
o enforcou? Qual o motivo? As respos-
tas estarão nas manchas que parecem
formar constelações no teto do quarto?
Afinal, a vida quer dizer algo ou não?

O livro enfileira quatro histórias e vai
se transformando num romance. Cada
parte é centrada num personagem que
em algum momento cruzou o narrador.
É povoado por fantasmas do passado que
voltam sempre. “Certas coisas têm um
jeito especial de voltar”, diz o narrador,
“inesperadas e imprevistas, muitas vezes
depois de uma longa ausência”.

Este romance, de 1961, é de quando
Vargas Llosa escrevia bons livros. É fruto
da madrugada em que o autor peruano,
lendo Flaubert, descobriu que tipo de
escritor gostaria de ser. O resultado é
um livro sensacional, de querer pular do
segundo trampolim do clube Terrazas,
ser amigo do Alberto e do Jaguar, vadiar
pelo colégio militar Leoncio Prado e não
dormir, passar a noite no quarto, enfeiti-
çado pelos homenzinhos de Llosa.

O passado, diz Proust, não se move de
lugar. Mas isso faz tempo. Em Paris Não
Tem Fim, ao propor a “revisão irônica”
da juventude parisiense do seu narra-
dor, o catalão Enrique Vila-Matas prova
que tudo se move, sobretudo o passado,
e que a ironia é a imensa e grande arte
do deslocamento.

Numa das passagens mais bonitas de
O Som e a Fúria, Quentin conta o que o
pai lhe disse quando deu a ele o relógio
que havia sido de seu avô: “Dou-lhe
este relógio não para que você se lembre
do tempo, e sim para que você possa
esquecê-lo por um momento de vez em
quando e não gaste todo seu fôlego ten-
tando conquistá-lo”. Algumas páginas
depois, Quentin arranca os ponteiros do
relógio, mas o tique-taque não para.

CARMEN

COSMOS O SOM E A FÚRIA

OS EMIGRANTES

A CIDADE E OS CACHORROS

PARIS NÃO TEM FIM
Prosper Mérimée | Zahar

Witold Gombrowicz | Cia. das Letras

W. G. Sebald | Cia. das Letras

Mario Vargas Llosa | Alfaguara

Enrique Vila-Matas | Ática

William Faulkner | Cia. das Letras

O momento que antecede a entrada de
Lolita em cena é um dos maiores da lite-
ratura. Humbert Humbert visita a casa
da senhora Haze em busca de um quarto
para alugar e vai passando de cômodo
em cômodo. Vê uma fruteira vazia, com
um caroço, “ainda úmido”, de ameixa.
Uma página depois, surge Lolita.

“Eu direi as palavras mais terríveis esta
noite/ enquanto os ponteiros se dissol-
vem/ contra o meu poder/ contra o
meu amor.” Piva é o poeta das imagens
convulsivas. Aqui, vagamos por uma São
Paulo delirante, da revolução sexual dos
anos 1960, e Piva lida com a “face invisí-
vel, a dimensão cósmica do planeta”.

Em vida, Flannery publicou apenas dois
romances e quatro coletâneas de contos.
Foi o bastante para estar entre os maiores
escritores da história. Seu cenário é o
sul dos EUA, os temas, o desencanto e a
vida que fica abaixo do ideal que forma-
mos dela. Histórias como “Gente boa da
roça” são obras-primas.

LOLITA PARANOIA CONTOS COMPLETOS
Vladimir Nabokov | Alfaguara Roberto Piva | IMS Flannery O’Connor | Cosac Naif

Uma das narrativas mais inventivas
sobre a memória. O livro alterna dois
textos: um autobiográfico, que recons-
titui a infância do autor, que perdeu
os pais durante a guerra; e outro, uma
narrativa fantástica sobre W, um país
imaginário no meio da Patagônia,
“uma terra em que o Esporte é rei, uma
nação de atletas em que o Esporte e a
vida se confundem”.

W OU A MEMÓRIA DA INFÂNCIA
Georges Perec | Cia. das Letras

Uma noite do Carnaval de 1927, uma
noite em que algo revelador acontece e
que o protagonista, Emilio Gauna, não
consegue lembrar. Anos depois, ele decide
tentar repetir passo a passo aquela noite
na intenção de descobrir o que houve. De
estilo sutil, elegante e sem estridência, Bioy
acabou ficando à sombra do grande parcei-
ro, Borges. De 1954, O Sonho dos Heróis é o
maior romance da literatura argentina.

Alguns dos contos mais famosos de
Hemingway estão nesta coletânea de


  1. Destaque para a cena de “Os
    matadores” em que, num bar, enquanto
    esperam a chegada do homem que devem
    assassinar, os homens do título discutem
    o cardápio – pedem lombo de porco e
    croquetes de frango. Hemingway inaugu-
    ra sua famosa forma de narrar em que as
    cenas assumem dimensão simbólica.


O SONHO DOS HERÓIS HOMENS SEM MULHERES
Adolfo Bioy Casares | Biblioteca Azul Ernest Hemingway | Penguin Books

fotos divulgação

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