Carbono Uomo - Edição 13 (2019)

(Antfer) #1

Claudio Galeazzi


Cortar pessoas e gastos não é o objetivo em si.
Nada mais é do que um meio para conseguir colo-
car a empresa no eixo. O corte de pessoas jamais
pode ser linear – do tipo “vamos cortar 10%”. Ele
tem que ser baseado em um estudo bastante pro-
fundo das atividades, todas as caixinhas que são
ocupadas por pessoas, para que você possa tomar
uma decisão. Eu brinco que a responsabilidade
dessas demissões não era minha, e, sim, de quem
contratou. Aquela ânsia de crescer em um momento
positivo da empresa faz com que se contrate gente
sem planejamento adequado. Em uma crise mais
profunda, essas pessoas podem ser redundantes,
principalmente se o objetivo é recuperar a empre-
sa. São decisões draconianas, que não podem ser
levianas: precisam ser muito bem estudadas e, em
muitos casos, o corte de gente mostra que existem
falhas e lacunas que a empresa precisava suprir. Foi
o que aconteceu no Pão de Açúcar: o corte foi rele-
vante, mas contratamos muito também. Na hora que
passou a régua, ficou equilibrado.

Carbono Uomo


Qual é a principal razão de uma empresa entrar em crise?


Claudio Galeazzi


Quase todas essas empresas entram em crise por al-
guns motivos similares. O primeiro deles é resultado
negativo, que não está à altura do que foi projetado,
mas com justificativas válidas. Normalmente, demora
três meses para que os gestores enxerguem o ponto
crítico. Principalmente nas empresas familiares, eu
vejo o que o consultor americano Jim Conway chama
de negação: o dono tem resistência de admitir que
precisa tomar medidas para sanear aquele momento.
Isso acontece com executivos de empresas grandes
também, que não querem admitir a situação, e dei-
xam a solução para o acaso – é comum culpar o
governo, por exemplo. Isso é inaceitável, você tem
que agir em cima da situação. Outro ponto que eu
sempre encontro é que as empresas têm tendência
a dizer que elas são diferentes, únicas, e isso quase
nunca é verdade, além de ser perigoso. Se a com-
panhia teve sucesso durante algum tempo, ela quer
viver nesse sucesso. Sucesso passado não garante su-
cesso futuro. Então, as empresas, muito mais do que
transformação, precisam se repensar constantemen-
te. Companhias que no passado eram líderes e não
repensaram, quebraram. Nos EUA, por exemplo, a
IBM, a HP, a General Motors: todas elas entraram
em crise, se repensaram, fizeram uma transformação

e sobreviveram. A Apple é o melhor exemplo: pas-
sou por muitas crises, mas entendeu que precisava
mudar. Quem não se repensa, quebra. Aqui no Bra-
sil, a maioria das empresas não se reviu e quebrou:
Mesbla, Mappin, TV Manchete, Banco Bamerindus,
Arapuã, Varig... Gigantes que foram consideradas
“empresas do ano” e, ironicamente, quebraram no
ano seguinte.

Carbono Uomo
Li que o senhor quebrou uma empresa no início da carreira.
O que isso ensinou, pessoal e profissionalmente?

Claudio Galeazzi
A primeira coisa é que, muitas vezes, aquilo que
você acha o fim não necessariamente é. Existe sem-
pre a possibilidade de uma reversão da situação da
empresa. Ela teve muito sucesso: no primeiro ano,
faturamos US$ 11 milhões, um valor enorme para a
época. Os dois anos seguintes foram de crescimento,
mas não tão incríveis. E eu cometi o erro de negar
a situação. Eu me achava invencível, o ego estava
muito aflorado, não aceitava que a empresa estava
indo para uma crise. Ela foi de sucesso à quebra
em muito pouco tempo. Hemingway diz o seguinte:
“Como você faliu? De dois jeitos, devagarzinho e
de repente.” Eu sempre digo que nunca é necessa-
riamente tarde demais, sempre dá para reverter. Eu,
no caso, não reverti a situação, mas quebrar foi a
melhor escola para me tornar um turnarounder. E me
dá muita sintonia com as pessoas que estão em difi-
culdade. Eu quebrei, eles sabem que eu já passei por
aquilo. Sempre digo que as empresas têm alma, e
normalmente essa alma retrata a alma do dono, con-
trolador. Ela reflete os pensamentos, os princípios. É
muito difícil, então, admitir que algo não está bom. É
admitir um fracasso. No início, quando vem alguém
de fora, eles quase entregam a chave. Mas, quando
a coisa começa a melhorar, eles querem repetir os
comportamentos antigos.

Carbono Uomo
O que de mais significativo o senhor sente que tem mudado
no mercado hoje? E o que não vai mudar nunca?

Claudio Galeazzi
O ser humano pode evoluir, mas não muda. Conti-
nua sempre o mesmo, repete-se constantemente. O
que não mudou, então, é o ser humano. A realida-
de sofreu transformações profundas: comunicação e
notícias de forma instantânea, mudou a velocidade
com a qual você tem que tratar os problemas. E quem

Entrevista
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