(2016) Aventuras na História 156 - Os soldados de Deus

(AP) #1
OS REPRESENTANTES
A declaração da independência foi
uma batalha que começou muito
antes de 1816. Desde a Revolução de
Maio haviam desfilado diferentes
projetos do governo: primeiro se fez
a Revolução aos brados de “Viva ao
Rei, morra o mau governo”, depois
ocorreram as malsucedidas tentati-
vas para organizar um Congresso
que estabeleceria um marco legal, e
inclusive se chegou a f lertar com a
ideia de entregar o país ao Império
Britânico. Seis anos depois, as ideias
políticas continuavam um “camba-
lacho”: Manuel Belgrano, um dos
personagens fundamentais desse
processo e criador da bandeira Ar-
gentina, insistiu perante os deputa-
dos que assinaram a independência
sobre a necessidade de estabelecer
uma monarquia “temperada” (ou
mista), liderada por um descenden-
te dos incas.
As outras duas grandes alas que
se enfrentavam eram os que seguiam
o uruguaio José Gervasio Artigas,
um caudilho que tinha conseguido
mobilizar várias províncias do lito-
ral e seus camponeses – cujas ideias
eram as mais transformadoras da
época – e a área de Buenos Aires, a
região mais forte, que buscava na
independência uma forma de reva-

lidar seu poder. “Para os portenhos
(cidadãos de Buenos Aires) era o
passo para pôr fim a uma verdadei-
ra revolução e impor sua ordem, en-
quanto para o artiguismo era o pon-
to de partida para ir fundo no cami-
nho revolucionário”, dizem os histo-
riadores Christan Rath e Andrés
Roldán. Por trás dos confrontos
entre Artigas – que estava na mesma
linha que o caudilho do nordeste
Martín Guemes e que foi depois afas-
tado da declaração – e o poder do
“Directorio”, havia ideias opostas:
transformar a realidade social, re-
partir as terras e tirar o monopólio
da Aduana para Buenos Aires ou
pacificar prontamente a região mo-
bilizada e ser reconhecido assim pela
Inglaterra e pelo mundo.
Havia, então, um grande medo do
jacobinismo, grupo de ideias radi-
cais, e do terror que havia desatado
na França depois de sua Revolução,
e se temia que pudesse chegar a algo
parecido se não acabassem com as
insurreições armadas em todo o ter-
ritório do Rio da Prata. Era esta a
necessidade que motivava Buenos
Aires a apressar a independência: o
pânico diante da possibilidade de
perder o controle do território e do
monopólio comercial. Essa é a razão
pela qual a declaração é sucinta e la-
cônica, que diz tão pouco.
O único ponto claro na
independência é o desejo
de “romper os violentos
laços que ligavam o país
aos reis da Espanha”,
algo tão precário que dias
depois teve de ser acres-
centado, por pressão po-
pular, “e qualquer outro
domínio estrangeiro”. O
restante ficou aberto a
interpretações.

POVO LI V R E
“A independência é parte de um pro-
cesso de autonomia que leva à forma-
ção da República Argentina. É uma
data de fundação, absolutamente
importante, parte de uma grande
revolução, política e em alguns as-
pectos também social, que mobiliza
e compromete as massas de todos os
lados”, diz María Sáenz Quesada,
pensadora e intelectual titular da
Academia Nacional de História da
Argentina. Para ela e para todo o
“mitrismo” – a historiografia que
predominou no país até pouco tempo
e que deve seu nome a seu fundador
e ex-presidente Bartolomé Mitre –, a
independência foi um episódio sig-
nificativo que acelerou a criação do
país e que serviu de guia aos líderes
que vieram depois.
O revisionismo, escola que en-
frenta as ideias da história clássica,
não concorda: o historiador Fran-
cisco “Pacho” O’Donnell, um de
seus defensores mais proeminentes,
afirma que a independência verda-
deiramente revolucionária foi a que
assinaram Artigas e os seus corre-
ligionários em 1815 na Banda Orien-
tal (área que depois seria o Uru-
guai). Segundo O’Donnell foi o
“Congresso dos Povos Livres” o
primeiro a estabelecer a autonomia
na região e que ditava um regime
federal e coparticipativo, a declara-
ção que representava os ideais mais
transformadores de Maio. Suas pro-
postas foram dizimadas: primeiro
porque Artigas foi proibido de par-
ticipar do Congresso de Tucumán
no ano seguinte, e depois porque o
regime portenho colaborou na der-
rota do movimento do herói uru-
guaio. “Apesar de haver uma parti-
cipação importante dos setores po-
pulares no processo, é indubitável FOTOS GETTY IMAGES E SHUTTERSTOCK

independência uma forma de reva- pela qual a declaração é sucinta e la-
cônica, que diz tão pouco.

independência é o desejo
de “romper os violentos
laços que ligavam o país
aos reis da Espanha”,
algo tão precário que dias
depois teve de ser acres-
centado, por pressão po-
pular, “e qualquer outro
domínio estrangeiro”. O
restante ficou aberto a
interpretações.

AMÉRICA DO SUL


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