(2016) Aventuras na História 156 - Os soldados de Deus

(AP) #1
DISPUTA ENTRE IRMÃOS
Estabeleceram-se na região que cha-
mariam de Gaza. Mesmo após a con-
solidação do poder de Manikusse,
seriam atacados por regimentos de
Zulu, obrigando-os a se deslocar um
pouco mais ao norte, para as terras
acima do Rio Save, que hoje marca a
divisão entre o sul e o centro de Mo-
çambique. Por lá teriam dias relati-
vamente mais tranquilos – se é que
poderia haver alguma tranquilidade
em uma África repleta de europeus
querendo tirar-lhe proveito.
“A ausência de intervenção direta
europeia nesse processo de ocupação
resulta na fraca existência de regis-
tros escritos que possam articular
um relato definitivo. Por outro lado,
os esforços de recuperação de uma
história oral da região mostram que
a chegada desses grupos foi muito
mais contestada do que espe-
rada e muitas vezes eles atua-
ram de acordo com as formas
de resolução de conf litos de
maneira submissa, principal-
mente frente aos grupos com
os quais logo estabeleceram
coalizões para o domínio dos
mais interioranos”, explica
Hector Guerra Hernández,
doutor em antropologia so-
cial, professor do departa-
mento de História da Univer-
sidade do Paraná e estudioso
da história de Moçambique.
Os europeus não tiveram
vida fácil depois que o Império
de Gaza foi estabelecido. Os
portos de Lourenço Marques
e Inhambane, pontos estraté-
gicos na região, por exemplo,
foram atacados por Manikus-
se, que submeteu os portugue-
ses que ocupavam as cerca-
nias à sua liderança. Tensões

por eventos semelhantes se estende-
ram até 1858, quando Manikusse
morre, desencadeando um momento
de instabilidade política que derivou
para uma guerra interna pela suces-
são do seu lugar. Muzila e Mawewe,
os dois irmãos que disputavam o pos-
to, eram nomes fortes do governo e
homens de confiança do recém-mor-
to líder. Ao cabo, Muzila contou jus-
tamente com a ajuda dos lusitanos,
além de bôeres e ingleses, para der-
rotar o irmão e tomar o poder para si.
“Após o conf lito interno, Muzila
estabeleceu um tratado de coopera-
ção, em 1869, com os portugueses, que
na leitura lusitana na metrópole equi-
valia a um tratado de ‘vassalagem’. No
entanto, na prática, a presença e in-
f luência portuguesa na região se re-
duziam aos portos de Lourenço Mar-
ques e Inhambane”, diz Hernández.

FOTOS SHUTTERSTOCK E WIKIMEDIA COMMONS

RESISTÊNCIA
Muzila morre em 1884 e é seu filho,
Gungunhana, quem assume o poder.
E um poder bastante conturbado. A
maneira como lidava com parte de seu
povo – ou, melhor dizendo, com todos
os povos que integravam o império
sob seu domínio – e aqueles que o cer-
cavam também gerava desagrados.
Grupos como os chopes e bitongas,
que habitavam a região Inhambane e
Inharrime, a leste do reino, impu-
nham constante resistência aos exér-
citos de Gungunhana, enquanto ou-
tras lideranças contestavam a legiti-
midade de seu poder. O mandatário
desagradava aos seus supostos pares
principalmente pela maneira com que
costumava se apropriar do gado das
comunidades locais para obter recur-
sos e fortalecer seu poder militar.
Olhando para a relação com os
europeus, no entanto, o impe-
rador mostrava habilidade.
“Gaza sob o domínio de Gun-
gunhana foi palco de negocia-
ções com ingleses, bôeres e
portugueses, seja para obter
permissão de caça, seja para
negociação de armas e escra-
vos. Os três grupos procura-
vam acesso à região de Gaza
tanto para entrar nas zonas
de elefantes quanto para che-
gar ao Oceano Índico. Gun-
gunhana, durante seu man-
dato, foi uma figura muito
controversa, no entanto, em
relação ao processo de parti-
lha, caracterizou-se pelo seu
senso de poder nas negocia-
ções com esses europeus, ao
conseguir acirrar os desafetos
entre as três partes, manten-
do durante um bom tempo o
controle sob a região”, explica
o professor.

Tchaka
Zulu, chefe
inimigo
dos nguni

PERSONAGEM


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