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as primeiras décadas do sé-
culo 20, enquanto uma parte
da sexologia classificava pa-
tologias e o lado obscuro da sexuali-
dade, uma segunda onda proclamava
os aspectos positivos do sexo dentro
do casamento. Entre alguns poucos,
sexo não era visto apenas como ins-
tinto de reprodução mas como ref lexo
do sentimento entre espo-
sos. Sexólogos dos mais
reputados, como o austra-
liano Havellock Ellis, in-
térpretes do autoerotismo
e críticos da repressão
eram traduzidos no mun-
do inteiro. Tais obras
científicas inspiraram
manuais de sexologia
para um público “não
científico”, muitas delas
inspiradas em cartas endereçadas por
homens e mulheres aos especialistas.
Porém, a problemática desses pio-
neiros continuava presa aos modelos
do século anterior. Tudo os fazia ra-
ciocinar em termos de binômios: fe-
minino/masculino, ativo/passivo,
iniciada/iniciador, conquistada/con-
quistador. A sexualidade feminina
era a principal vítima desse tipo de
leitura. O clitóris, percebido como
uma anomalia “viril”, era desvalori-
zado, sobretudo entre os adeptos da
psicanálise. Sigmund Freud definia
a libido como masculina e concluiu
que moças e rapazes deviam organi-
zar a sexualidade em torno do pênis.
Com linguagem renovada, a psicaná-
lise justificava os papéis prescritos
pela sociedade para as mulheres.
Só Wilhelm Reich rompeu com
esse esquema e foi pioneiro em apon-
tar a força da “potência orgástica”.
Mas sua pesquisa, realizada entre
1927 e 1935, A Revolução Sexual, seguiu
como assunto confidencial e só foi
traduzida para o português nos anos
- Se não se conhecem os efeitos
dos primeiros discursos sexológicos,
sabe-se, porém, que eles contribuíram
para tirar o assunto do silêncio e da
vergonha. Compartilhado por uma
pequena minoria o tema da sexuali-
dade incentivou as primeiras questões
sobre o prazer feminino e as técnicas
para incrementá-lo antes, durante e
depois do coito por meio
de beijos, gestos e carícias.
O campeão de vendas
na época foi O Casamento
Perfeito, do ginecologista
holandês Theodoor van
de Velde, publicado em
1925 na Europa e traduzi-
do para o português no
mesmo ano. Escrito com
linguagem acessível e rico
em detalhes por 800 pá-
ginas, o livro ensinava os casais a
atingir o orgasmo juntos, pelo coito
vaginal: “Nas uniões ideais participa-
riam de modo igual o homem e a mu-
lher. Nessas uniões, as mais íntimas
que podem existir, se transformam
ambos em um só ser, física e animica-
mente. Não obstante seja o homem o
dispensador e a mulher a receptora,
COLUNA Histórias Íntimas
ILUSTRAÇÃO HAFAELL
À MULHER O PAPEL INDISPENSÁVEL NO
PRAZER E NA FELICIDADE DO CASAL
Se existe um postulado
de igualdade dos
direitos e dos deveres
de dois seres, ele é,
sobretudo, verdadeiro
e irrefutável na copulação
DA POSSE À UNIÃO
O “SUPERMATRIMÔNIO”:
56 | AVENTURAS NA HISTÓRIA
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