(2016) Aventuras na História 156 - Os soldados de Deus

(AP) #1
sendo como é o marido a parte ativa,
de modo algum o papel da esposa é
unicamente passivo. A conjugação
sexual, em realidade, não segue as leis
fisiológicas, não tem verdadeiramen-
te seu profundo sentido, não alcança
inteiramente seu objetivo, senão
quando ambos participam dela ple-
namente, quando gozam consciente-
mente, sem restrições, toda a alegria
e satisfação da união sexual. Se existe
um postulado de igualdade dos direi-
tos e dos deveres de dois seres, ele é,
sobretudo, verdadeiro e irrefutável na
copulação. Assim, no supermatrimô-
nio não é o marido que realiza o coito,
mas ambos os cônjuges. O homem não
possui a mulher, mas une-se a ela”.
Van de Velde levava a sério a ques-
tão da igualdade na cama e, para ele,
toda excitação sexual de certa impor-
tância que na mulher não terminas-
se pelo orgasmo representava uma
lesão, um trauma. E a soma deles
podia conduzir a transtornos crôni-
cos, físicos e psíquicos, dificilmente
emendados. A obra descreve com
gráficos e curvas os processos, ou
melhor, as categorias de atos sexuais
em que os cônjuges conseguiam che-
gar ao orgasmo juntos.
Sem igualdade no prazer, pregava
Van de Velde, não havia supermatri-
mônio. Resta descobrir quem lia ou
seguia as “curvas” do ginecologista
holandês. Poucos, provavelmente.
Afinal, tais avanços eram moderados
por outros autores que também cir-
culavam. É o caso do livro A Esposa
Feliz no Lar, de Manuel Alves. Na
direção oposta de Van de Velde, e
com uma visão bastante religiosa do
matrimônio, o autor recomendava

Por MARY DEL PRIORE
Doutora em história social com pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, vencedora do
Prêmio Jabuti e autora de Histórias Íntimas – Sexualidade e Erotismo na História do Brasil.

que as esposas seguissem o exemplo
da Virgem Maria, fossem diligentes
e cuidadosas nos afazeres domésti-
cos, obedientes e submissas aos ma-
ridos. Sobre sexo, pouco ou nada. E,
sobre adultério, encerrava com uma
pérola: “Não se pode, todavia, negar
que existem, de fato, esposos adúlte-
ros e esposas adúlteras. Existem-nos,
sim, e infelizmente são bastante nu-
merosos; porque a esses criminosos
desavergonhados não lhes toca a
pena que lhes cabia antigamente, de
serem publicamente apedrejados”.
Esse foi o momento em que os
comportamentos sexuais ligados à
reprodução e à sexualidade começa-

vam a separar-se. Até então, o que se
conhecia como “sexualidade” não
tinha existência própria. As relações
sexuais dividiam-se entre as voltadas
para a renovação das gerações e aque-
las, mais erotizadas, voltadas para o
prazer. E essa divisão coincidia ma-
tematicamente com aquela que sepa-
rava as mulheres puras das impuras.
Mas tal maneira de pensar era, sobre-
tudo, um alívio para os homens.
Ao colocar o orgasmo do casal, em
especial o da esposa, em primeiro pla-
no, os médicos abriam o f lanco para
outro problema: seria o marido capaz
de proporcionar prazer à sua mulher?
Questão ainda sem resposta...

sendo como é o marido a parte ativa,
de modo algum o papel da esposa é
unicamente passivo. A conjugação
sexual, em realidade, não segue as leis
fisiológicas, não tem verdadeiramen-
te seu profundo sentido, não alcança
inteiramente seu objetivo, senão
quando ambos participam dela ple-
namente, quando gozam consciente-
mente, sem restrições, toda a alegria
e satisfação da união sexual. Se existe
um postulado de igualdade dos direi-
tos e dos deveres de dois seres, ele é,
sobretudo, verdadeiro e irrefutável na
copulação. Assim, no supermatrimô-
nio não é o marido que realiza o coito,
mas ambos os cônjuges. O homem não
possui a mulher, mas une-se a ela”.
Van de Velde levava a sério a ques-
tão da igualdade na cama e, para ele,
toda excitação sexual de certa impor-
tância que na mulher não terminas-

AVENTURAS NA HISTÓRIA | 57

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